10 poemas de Lucas Luiz



 COSA

 

Foi necessário regressar.

Regressar uma,

outra vez.

Desembarcar na manhã

úmida da infância.

Ter-me com os olhos

marejados de memória:

e só aí compreender

de súbito a vida,

cuja plenitude

verte-se: espalha-se

aos sopros –

dente-de-leão.

 


POEMA INÚTIL

 

escrevo para afirmar

as coisas inúteis

 

epopeia pela palavra exata

de suspender

na fruição do

poema

 

onde se diz nada

onde se diz tudo

 

onde se dispara


CATARSE

 

Através da palavra tenho

forjado encontros: estreita

ponte: mistério de sol

pr’além do poente.

Quereria rumar essas

montanhas, preencher

o canto: beleza:

ave flamejante.

Reconhecer Eros, 

divino, sem a

mácula dos

dias.

 


GRAÇA

 

1.

tive inúmeras rejeiçõezinhas

algumas de tão bobinhas

até bonitinhas

 

nenhuma namoradinha

 

apenas soube vossas

graças: sempre a

rirem de mim

 

2.

agradeci pouco

a Deus

 

por toda essa

solidão

com qual fui

agraciado

 

obrigado


DEUS JOGA DADOS

 

mesmo se Ana C. me conhecesse

não seria eu alguém para quem

escreveria

 

pois ninguém escreve poemas

para os feios

 

pode-se até escrever poemas feios

caso falte fluência em gatografia

 

forjo sintaxe: Hefesto sob o ponto

posposto:

 

mesmo a esmo

                  (o praxe)

Ana C. fugiria do enleio

pois ninguém merece

o desgosto

de enxergar os feios

 


LITURGIA

 

Forjar – ala Hefesto – palavra-crua.

Sentimentalismo, mesmo honesto,

ao fogo, tão somente,

não encerra o verso.

 

Deixá-la ir com suas asas de Ícaro.

 

Quarar o verbo a exatidão da cera

da vela e penas de pássaros.

 

Como quem almeja o fulgor

inebriante do grande Sol da vida

mesmo sabedor dos riscos

de encará-lo à face.

 


O FRUTO DE PÊNIA

 

1.

nasço: olhos transparentes

 

dois pequenos lagos

a refletir Eros

divino

 

tacanho a transbordar

em mim

 

a fome

 

2.

somente os olhos

refletem Eros

divino

 

3.

a luz à volta

personifica

Pênia

 

eis a sombra

aos olhos

 

Eros humano

 

4.

a fome: os olhos

queixam-se

de eras

 

5.

agora por riachos turvos

a fome faz enxergar

miragem: Narciso

 

6.

sonho-me então

por outros lagos

 

assim

transbordar

 

em mim

o luar

 


ESPELHO

 

não sobrar nem faltar

ser sob medida

                      exata

como agora acontece

a vida

mera conveniência

                  imediata

 

um corte esculpido o

verso

quando sobra o

verbo

um corte estupendo

 

no dedo polegar

Procusto se

enxerga se

sabe

 

no dedo polegar

nenhuma

entrelinha

cabe


NA MANHÃ DE SOPHIA

 

Na manhã onde nascia Sophia

os sábios buscavam entender

melhor sobre o correr dos dias.

 

Dividiam ideias para render,

mudavam as respostas obtidas

e assim faziam-se aprender

 

a pensar o pensar sobre a vida,

na manhã onde nascia Sophia

já pronta para ser inserida

 

muito além de qualquer teoria.

Fundar o pensar o pensar algum

tornou-se importante guia

 

ao nosso bem maior comum

pois fez-se na manhã de Sophia

a luz da lição: somos todos um.

 


COSMOGONIA

 

Escondo-me da face

bruta não-dita na

cicatriz do verso

à qual a mágoa

se expele.

Existo equilibrando

todo caos na

própria pele.


Ilustrações: Max Mitenkov

 


Lucas Luiz – Guararema / SP . Nascido em Guararema no ano de 1991. Iniciou publicando crônicas no “Jornal D’Guararema” e depois poemas no site de variedades “Guararema Tem”. Foi redator do programa “Guararema Online” da Produz Áudio&Vídeo. Recentemente colaborou com as Revistas Literárias: Avessa, Inversos, LiteraLivre, Ser Esta, Bibliofilia Cotidiana, FrentesVersos, Contempo, Aboio, A Bacana, Philos, Ruído Manifesto, Subversa e Mallarmargens.  



 



 


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