3 poemas de Alessandro Padin

Ilustração: Egon Schiele

 

MÃO

engordurada, causa asco se por acaso, tocar-lhe o rosto estendida, pro alto, no braço ereto é morte vire lentamente fechada, causa medo pode ser amor ou, talvez, um breve adeus soco na boca atrás das costas, de olhos fechados de surpresa, anunciado é proteção, salve pode acabar a dor ou, talvez, curar os teus no ônibus lotado, atrevida pequena, gorduchinha fede a covardia é o doce agora, também o futuro, infinitude

                               [enquanto limpa o embaçado do vidro, acena alguém do outro lado da rua]

 

 

VOU DIZER QUE VOCÊ FOI VIAJAR

O problema não está nas manhãs

Barulhentas, dos caminhões e bate-estacas

O problema não está nas noites

Do silêncio e do gato vendo fantasmas

 

O problema é que entre sombra e luz

Sou dimensão vazia de mim mesmo

Pois o que resta é o verbo quase dito

Engolido em seco pela súbita ausência

 

Na dúvida, se um passarinho me perguntar

Vou dizer que você foi viajar

E que na estação, entre plantas que me ouvem

Vou cantar para os trens que nunca retornam  

 

PENDURICALHOS

 

Bom dia para o guarda que varou a madrugada

Cara feia e silêncio, as mãos ocupadas

Penduricalhos do lado esquerdo, do lado direito

Segue pela estação, esmola pro mendigo, não

Penduricalhos invisíveis na cabeça, retalhos

Rotos de todas as caminhadas incertas, insensíveis

 

É dia, mas poderia ser noite, tanto faz

No corpo seco, rugoso, que agora se liquefaz

Um adeus melancólico, sem música, carpideiras

Escada que sobe, escada que desce, tanto faz

Quando cair, faminto, na plataforma de embarque

Só vai sentir o sopro quente do trem que vai, que vem

 

E a mão gelada do enfermeiro, cansado pelo turno dobrado

Vai atestar, ainda respira, melhor cobrir com o jornal

Os penduricalhos se espalham, rolam soltos, livres

Disputados pela miséria, pelas mãos rachadas do desamor

E, ao som do locutor, tudo vira vazio até a próxima partida

Enquanto o guarda encosta na pilastra e se rende ao sono

 

Alessandro José Padin Ferreira é escritor, professor universitário e jornalista. Graduado em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Católica de Santos, é mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Após anos dedicados à atividade jornalística e acadêmica, retomou os estudos em linguagens poéticas e literatura e vem participando de antologias.

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