3 poemas de Lucas Cunha

Ilustração: Stella Snead


Azulejo

Justificada a ausência, fui ter com a estrada
Estrada de terra, terra à galopada
No arder da garganta
A água que um dia nascida da cana
Fez bigode meu e de Tião envergar pro céu
Nem tinha assim tanta graça
Coisa arriscada, disse Tião
Com a brisa gelada do mar batendo na cara
Entre o dedo e o azulejo
Ora tinta, ora pano
Fazendo como retrato
A serração que se abria cortina no mato
Enquanto nóis bebia água de cana.



Tampem bem a cova antes que eu volte
 
Jazia aqui um poeta caiçara
 Do café amargo
 Ao cigarro de outono
 Lúcido de sua doença
 Infeliz médico da humanidade
 
Preso ao punhal da vida
 O pericárdio descascado feito manga
 Jazia aqui um poeta caiçara
 Como onda
 Lembrança
 
Coberto de razão
 Emoção, terra
 Sob o olhar atento da coruja
 Vento, flores, outono, epitáfio
Tampem bem a cova antes que eu volte


Mar Budista

Impermanente
 mar budista
 cria
de repente —
 calmaria
 tufão
 vendaval
 chuva
 trovão
roupa no varal
 voando
 gaivota
 alertando
chapéu de praia
 balançando
o mar budista
de repente
 meditando
sob a linha de Capricórnio
na boca de quem diz:
 peixe com banana
 cachaça e tainha na Matriz
calmaria
 vendaval
 gaivota voando
caiçara
 mar budista
meditando.

https://www.instagram.com/lukpoesia?igsh=ZXc5YWlscmdsYWFx



Luk veio de onde a onda beija a areia (Ubatuba-SP). Encontrou na leitura um vício precoce, cortesia da mãe. Aos quinze, precisou trocar o barulho do mar pelo da metrópole de SP. Hoje, futuro psicólogo, estuda os mistérios da mente humana. Confessa que sua própria cabeça às vezes parece um livro de Clarice Lispector: denso, intenso e enigmático. Dizem que Paulo Leminski e Bukowski sussurram em seu ouvido nos momentos de inspiração, mas ele jura que é só o vento do litoral. Sua escrita é um reflexo dessa mistura: maresia, asfalto e uma boa dose de “não me leve tão a sério”.

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