
Azulejo
Justificada a ausência, fui ter com a estrada
Estrada de terra, terra à galopada
No arder da garganta
A água que um dia nascida da cana
Fez bigode meu e de Tião envergar pro céu
Nem tinha assim tanta graça
Coisa arriscada, disse Tião
Com a brisa gelada do mar batendo na cara
Entre o dedo e o azulejo
Ora tinta, ora pano
Fazendo como retrato
A serração que se abria cortina no mato
Enquanto nóis bebia água de cana.
Tampem bem a cova antes que eu volte
Jazia aqui um poeta caiçara
Do café amargo
Ao cigarro de outono
Lúcido de sua doença
Infeliz médico da humanidade
Preso ao punhal da vida
O pericárdio descascado feito manga
Jazia aqui um poeta caiçara
Como onda
Lembrança
Coberto de razão
Emoção, terra
Sob o olhar atento da coruja
Vento, flores, outono, epitáfio
Tampem bem a cova antes que eu volte
Mar Budista
Impermanente
mar budista
cria
de repente —
calmaria
tufão
vendaval
chuva
trovão
roupa no varal
voando
gaivota
alertando
chapéu de praia
balançando
o mar budista
de repente
meditando
sob a linha de Capricórnio
na boca de quem diz:
peixe com banana
cachaça e tainha na Matriz
calmaria
vendaval
gaivota voando
caiçara
mar budista
meditando.
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Luk veio de onde a onda beija a areia (Ubatuba-SP). Encontrou na leitura um vício precoce, cortesia da mãe. Aos quinze, precisou trocar o barulho do mar pelo da metrópole de SP. Hoje, futuro psicólogo, estuda os mistérios da mente humana. Confessa que sua própria cabeça às vezes parece um livro de Clarice Lispector: denso, intenso e enigmático. Dizem que Paulo Leminski e Bukowski sussurram em seu ouvido nos momentos de inspiração, mas ele jura que é só o vento do litoral. Sua escrita é um reflexo dessa mistura: maresia, asfalto e uma boa dose de “não me leve tão a sério”.