3 poemas de Rosa Maria Mano

ALTARES

Fez-se a luz onde não há videntes
e o Senhor dos parvos
dança sobre as cabeças dos anjos.
Duas serpentes ígneas guardam os olhos de Deus.
É verão nos polos e a chuva arde,
abrindo as cicatrizes mal curadas.
Os rios bebem aço e salivam sarin.
Nas mãos de homens e mulheres,
as linhas, os grãos, os vermes e flores,
os fios que bordam mortalhas e pão.
Diante do espelho do Tempo,
o Senhor dos parvos medra,
enamorado do brilho dos altares.

(Coletânea II Conexões Atlânticas Brasil Portugal)


SOB A JANELA, FEITO FLOR DE CERA

Sob a janela principal, feito flor de cera,
um cão moribundo vigia.
A mulher já não tem dentes, a pele não transpira.
Vestem negro  o chão e as camas onde se deitou,
o gozo empapando a alma do planeta
no futuro que não houve.
Havia filhos feito fantasmas,
delinquindo as flores brancas,
macerando orquídeas de ácido.
A Terra não vinga.
A palavra gume morreu na garganta,
ferindo afagos e colmeias.
Paridos pelo sangue arroxeado dos séculos,
ruelas escuras, fissuras, afiados corais contaminados
pela fuligem gorda do descaso.
Em torno dos túmulos (quando houver),
a brancura da túnica que envolve a morte
há de sonhar amarelos.
E acolherá os pequenos,
os futuros interrompidos,
apartados dos seios,
frios fantasmas com dedos de finíssima textura,
petrificados diante das auroras.

(Coletânea II Conexões Atlânticas Brasil Portugal)



Arquitetura da fé que move a raça,
Transborda taças e retrai escudos.
Fé que não se sacia, não dorme,
Ignora os vivos e disseca os mortos.
Não sabe das teias, dos muros rompidos,
Da lama do poço ancestral,
Dos portos, do que a mágoa aborta,
Da moça de branco algodão
Que morava no portal.
Não sabe mais da ciranda
Dos cristais, do carbono,
Da luz que nasceu do breu
E morreu antes da hora
na boca sangrada da espécie humana.

 Inédito, para O Lume e a Fábula.

Ilustrações: Leonora Carrington



Rosa Maria Mano: nascida em São Paulo, onde vivi até os quarenta e um anos, com breve intervalo de cinco anos de residência na cidade do Rio de Janeiro, vivendo hoje à beira-mar, na cidade de Rio das Ostras, Rio de Janeiro. Curso de Letras interrompido no 4º período, São Paulo, atualmente, licencianda em História pela Universidade Estácio de Sá.

Atividades como escritora:
A primeira publicação, em São Paulo, uma coletânea de poemas sob o título Fruto Mulher, do qual participaram Mara Magaña, Maria Elizabeth Cândio, Maitê do Prado, entre outras.
Em 1983, Xamã, primeiro livro de poesias, individual. Com capa de Elifas Andreato e prefácio de Antonio Houaiss.
Participação na coleção Passe Livre, da Cia. Ed. Nacional, com o título Três Marias e um Cometa. Desta coleção participaram nomes como Pedro Bloch, Helena Silveira, Josué Guimarães, Fausto Wolff, Moacir Scliar, entre outros.
O Gato, Conto , 1998, D.O. Leitura, São Paulo
Coletânea Prêmio SESC de Poesia, 2000, Editado pelo SESC, Rio de Janeiro
Vento na Saia, poesia, 2015, eBookAmazon/Kindle
Manuscritos de Areia, 2017, poesia, pela Coleção Marianas, Ed. Marianas Edições/Bolsa Livro, Curitiba
Lábios-Mariposa, poesia, 2017, pela Singularidade Editora, Curitiba
Coletânea II Conexões AtlânticasBrasil-Portugal, poesia, 2018, julho, Lisboa, Portugal, Lisboa 
Participações
Premiada no Concurso de Poesia do SESC, Rio de Janeiro, 1999, tendo A Lua Negra em primeiro lugar na fase municipal (Teresópolis) e segundo na premiação final, na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, segundo lugar em Teresópolis com Re(s)cendência, no mesmo concurso.
Vencedora do I Concurso de Escrita Criativa, nas três categorias, Editora LiberUm, 2016

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