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Ilustração: Debora/deviantART |
ouvir os fantasmas conformados
ouço os fantasmas presos nas paredes e dou de cara com a clara impressão de que as
coisas não deram muito certo. a solidão é um gesto de reencontro. um longo aceno ao
passado. rara e amarga ficção.
ainda que um e outro ponto una enfim uma reta de destino plano tudo o que demais vejo
é profundeza e perplexidade.
se lugar algum modifica o que pensamos e sentimos permanecer enraizado no branco
condito da casa é manter vida mínima e se conformar com o inconsequente
envelhecimento.
(sento-me sobre a mala cheia de rascunhos das pegadas insuspeitas e acendo mais um
cigarro).
a madrugada de senis conceitos nessa velha cidade
jamais modificará a realidade distorcida nem o precário desejo de num lugar distante
recomeçar.
não se engane demais
não há nada que convença ou dê esperança
a um futuro próximo de melhores dias.
observe por detrás das vitrines anunciando a modernidade.
submerja pelas fachadas torpes e antigas vendendo recriadas
indigências e renove enfim suas lentes oftálmicas.
não se compra milagres em santas prestações nem verdades
impressas em livros de sabedorias.
o mundo é essa eterna mesmice e nossas frustrações se acumulam
na sua constante degradação.
a vida que cisma contra o tempo se equilibra nas bordas no abismo
que estamos todos a marchar.
acredite. há que se cuidar de tropeços.
o impreciso gesto de se fabricar pérolas
o mundo acabando lá fora
e eu aqui dentro dessa concha
fugindo do vento e fingindo a razão
em dizer de maneira quase poética
que essa rua é sem saída
que a vida é essa rua
e que de mãos dadas
rumamos incertos para o mesmo fim
o estado permanente das coisas
que aceitamos sem muito entender
sem desejar resistir
você aí fora desabando com o mundo
e eu no ostráceo aconchego envolvendo a culpa
de manter meus vícios
de esconjurar viagens
e temer tardes de tempestades
(gesto impossível de ser explicado
como o insípido gosto das manhãs)
queria perolar esses receios numa coragem única
e atravessar a noite em saltos
excedendo toda ilusão e sentido do mundo
mas você nunca aprovou
o meu simulacro da realidade
mantendo sempre os pés fincados
na direção dos olhos
ainda que o corpo cambaleasse
em dúvidas e vertigens
nada resta agora senão manter a clausura
e contar o martírio às paredes
que me vestem como um colar
Sidnei Olivio é natural de São José do Rio Preto, SP. Biólogo circunstancial e poeta por convicção. Tem oito livros publicados, além de participação emdiversas coletâneas, revistas, sites de literatura e e-books