3 poemas de Suzel Domini

Imagem: da obra Lygia Clark
 
Tributo ao amarelo ou à orelha de Van Gogh

calêndula é um sol
papel de seda incendiado em leves talhos
múltiplos tentáculos
calêndula é uma boca
abismo faminto de falo y outras salivas
calêndula é uma mulher selvagem
uma serpente a enrodilhar se na língua
calêndula é uma palavra
tão bonita


Paulistana de partidas

são paulo é um labirinto de enigmas
por isso vou deixando fios de cobre em cada esquina
que é pra não te perder 
que é pra não me render
que é pra te prender ao tecer-te em renda minha
mapas ritmos destinos mentais
um beco a mais em tinta colorida
fantasmas & falsos heróis me confundem nas vias infinitas
y agora?
eu subo ou desço a faria lima
mas não te perco
mas não me rendo
porque te enlaço ao enredar-te em linhas finas
porque te guardo no bolso em flores de mentira
depois do crepúsculo percorro ruas inteiras sem máscara
pois no fim tudo passa a parecer mais fácil
quando cruzo a consolação

 Imagem: relógio de sol, Lygia Clark


Réquiem aos condenados

minutos antes de tudo se partir
a gente entende que no fim a vida se resume a isso
à subdivisão mínima de dois mínimos fatores desconjuntos
o conforto do sofá ou o sussurro do precipício?
eu que caminho por entre estrelas
que tenho por princípio básico destrinchar trincheiras feitas
prefiro a segunda opção
embora saiba bem que para ninguém há salvação
sobre um mar de escombros eu vou y voo
louca de pedra tentando tocar com os pés as pedras da lua
tentando se encontrar em qualquer ato nulo de bravura
um átimo y o coração se arma em asas y chama
a sete palmos da última solução y também do último soluço
tudo para salvaguardar esse corpo a descoberto
aparentemente mudo
um corpo a mais para estragar outro pequeno pedaço de mundo
mas o mundo a gente sabe há muito anda destroçado
antes a vida em saltos precipitados do que não saber a nada
do que não desconfiar do mais óbvio dos fundamentos filosóficos
para os bobos a morte chega de cara lavada
não cheira a alfazema bem pega atalhos
dona da bossa ela entra pela senha que abre a porta da sala
senta sem cerimônia y cantarola baixo uma ária chorosa
a mesma que as mães cantam quando a gente criança não dorme
ela entra senhora porque persegue palavras certas
y certas palavras denunciam a ferrugem das almas
então já foi
já era


Suzel Domini é professora e pesquisadora da área de Literatura. Poeta de cadernetas, fotógrafa amadora e viajante solitária, ou seja, nômade por paixão. Autora do livro “Entre presa & fera” (2018), publicado pela Editora Patuá. 

 

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