Do Pão
“…Minas é uma fotografia na parede, mas como dói…”
(Carlos Drummond de Andrade)
“Belém é um pequiá suculento…” (Dalcídio Jurandir)
Para Maria de Belém Menezes e Maria do Céu De Campos Jordy
És casa, sim e me desvelas
à beira do teu abismo.
És casa, fui e voltei,
Sinal afoito de um reparo no assoalho
(tábua amarela e preta):
fruto da mangueira e o paneiro para pegá-la.
Obturas, casa, sem eira nem beira,
os ontens meus,
Arsenal, sinais da vacaria,
Hospital onde nasci,
o Recreio da Armada
sob auspícios do Paco,
Hoje, fincamos nossa nau no bar do Bacu
para beijar o luar.
Casa combalida, tresoitada,
Malacabada fome, mofina de arquiteturas
banguelas.
Se me convertes no teu rio
eu te assovio, barro sobre sabre,
bairro do Umarizal dos pretos e
nem mais aquela flâmula encarnada
na esquina.
Não à vela de Nossa Senhora das Candeias
na janela da casa de palha
Não ao batuque de Ogum-Jorge, mestre de meu pai,
Lança e poder de me nominar.
Cidade, és o banho de cheiro
de minha avó vinda de longe, o Marajó.
És a “tienda” da outra, a das castanholas.
Cidade: pés, sovela e a agulha
de meu avô, o sapateiro.
Ainda guardas os envelopes de papel de cheiro
do Pará da tia que cruzava tuas esquinas?
A máquina Singer da mãe ainda tramela
seus moldes e bainhas numa rua tua, fantasma.
Casa, se não tens mais castanheiras
em teus brincos já não circundo o igarapé
que fora teu, esconderijo das armas, das Almas,
hoje podre aroma de ricos, salvos pela frescor da Phebo.
Cidade,
casa de meu cômodo,
arraial de meus incômodos,
Belém, o osso buco de roer.
O Cajado: caminho
Ousas ser ourives,
mais que isso,
o homem e seu cajado;
levitas sobre a areia: a praia.
resisto receber de ti o inodoro
sopro (rouah, quase!)
mas é dourado, ele
e me ofusca, cego de miopias
anômalas-sou, fumos do cigarro;
Todo cego que se escreve para dentro
Ilumina o leitor para fora de si.
Vejo o teu papel
Entre nós “a ilha de nos fazermos ao”
E tento acompanhar a copa de teus ruídos
pois que @travesso o mar de Lethe,
Maraús: mar-a-eus.
Tu,
e sobre a rinha de teu rastro
edificarei o som desta
água-auri-letal:
pergaminho de que me alimento
ao sair da caverna,
batizado de sombras,
quaterna.
Avô sapateiro
Meu avô, grisalho de tisnas, pintou minha pele de preto
(depois veio a cor amarela da índia bisavó)
Aquele avô – sinto cheiros – é quase um fogão à lenha Tíbias, perônios e fêmures fazem o alfabeto do avô que aprendeu como ninguém a soletrar sapatos n’Amazôniarrios.
Ele curte a sola
(o mergulho não ignorado dado) e seca-a e sova o couro que de cru vai somando desenhos e palmilhas até chegar a ponto dos pés, o arrepio.
O avô é galho de silêncios e há assovios na crosta das unhas, joanetes, sois assombrações, velho, que solfejas análises sintáticas.
Sintético reisado é o avô ante ao quadro de Miguelarcanjo sobranceiro:
“Afasta-me, santo meu, da escravidão dos adjetivos…” Anima ainda hoje sovelas aquele avô
(tem linha do tempo no Congo
Angola ou no Norte da África?)
O avô se movimenta a sustentar os cacos de um sapato em esparadrapos Glosa pouco, ele-o-sempre, enche a boca com tachinhas em argentum,
E cospe melodias daquele martelo altissonante (publicarei anúncios nos classificados
em busca do torquez, com o pentapé de ferro).
Sei que minha palavra não alimenta o avô que de tanto laborar algaraviou-mefanasma em úlceras e outros vícios gasosos (mas nada de comer cru e quente) Mas ele me ensinou mucho: sola é papel em branco, se afoga, agarra, desenha, lixa e corta, corta.
E o poema, que nunca foi meu de origens,
vomita memórias de meu paneiro, avô, eu faço-me tempo no leito do teu cenho.
Em Belém do Pará, Amazônia,nasceu Paulo Jorge Martins Nunes. “Paulo Jorge”, de junção poética e significação, “pequeno agricultor”. Vive da e pela palavra, palavra que assusta eo sustenta. Doutor em Letras, pesquisador da Universidade da Amazônia, é autor de inúmeros artigos e ensaios em revistas e sítios de literatura. Integra também a geração Texto e Pretexto, que fez escola em Belém nos anos 80 e 90 do século XX; é autor de livros infantojuvenis, participa de inúmeros projetos de divulgação da literatura, dentre os quais “O Escritor na Cidade”, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, “Memória da Literatura no Pará”, da SEMEC-Belém.
Publicou, entre outros,Banho de Chuva (Amazônia livros, selos Sala de Leitura do MEC), Baú de Bem-querer (Paulinas) e Gitos, meus minicontos amazônicos (Paka-Tatu). Traço-Oco (Penalux, semifinalista do prêmio Oceanos). No Facebook: www.facebook.com.br/paulonunes
Respostas de 4
Grato pela visibilidade neste blogde respeito
Obrigada eu pelo ótimo material enviado, Paulo, e parabéns pela classificação.
Obrigada
Oi tudo bem beijo te amo muito muito