4 poemas de Antonio Manoel dos Santos Silva

VII

Elevadores se atrasam
e as sombras se negam às rugas deste rosto.
                          Carros
sobem ladeiras,
                          prédios
milagrosamente de pé
                          equilibram-se
no delírio.


Tão pequenos bichos vis, casas altíssimas levantamos:
palavras sobre palavras,
pedras, cal e mármore,
onde a cola frágil, senão lama,
as liga sem o tempo?


VIII

Um fio de prumo mede todos eles,
                                          todos nós,
e por esse fio de prumo mais o esquadro
vão-se erguendo e nos vamos calculadamente.
Bastaria um tremor
sem medo,
sem mesmo o silêncio não pensado,
e tudo torto se desvendaria
e tudo em vãos se despenharia.


IX
Um guardador de rebanhos,
mesmo fingido,
tem suas vantagens sobre o pastor de piano:
não crê em metafísica,
e em sentido íntimo.
Vai-se ver confunde avena com aveia,
não escuta discursos solidários
e arruína cidades
antes de construí-las.
[do livro 35 poemas ou um – Novos Poemas da Negra]



imagem: escultura “trio” de Israel Kislansky

DIRETRIZES PARA MODELAR A ARGILA
Primeira

A argila pulsará em carne viva
E deve pôr-se, maleável e firme
À perícia da mão que a inspira.

Segunda

A argila tem que resistir
A todo gesto iníquo e violento:
Ao que supérfluo torna sua consistência,
Ao que que matéria anti-argila se acrescenta-lhe

Terceira

A argila tem que se entregar
Aos movimentos da mão que a surpreende:
A seu medido delírio
E ao inesperado ritmo que nela acende
O fogo que muda em mais argila.

Quarta

A argila, mudando, tem que se manter
Transfigurada no seu ser argila,
Argila-ser,
Cera intacta e infensa
Ao frágil desfazer-se.

Quinta

A argila tem que ser morena,
Morena clara quando descansar à sombra
E que ao sol da praia vem e logo acena
Ao quase negro bronze escurecer.

Sexta

A mão, que o anelo desta matéria tem,
A mão, que se move por essa argila
E para ela orienta o seu poder,
A mão deve aplicar o que convém
Apenas a seu tecido de mão,
Às artérias que a irrigam de outro ser,
Ao nervo impaciente que a incita
A contentar-se na pele por prazer.

Sétima

A mão tem que valer-se da força de um destino
O destino do fio que a leva ao touro,
Medindo o que parece o desatino
Pela balança que pondera o ouro.

Oitava

A mão tem que se deixar levar
Na corrente que a argila eletriza:
Tem que soltar-se ao tempo, o tempo saltar
Sem perder do tempo a sua liga.

Nona

A mão tem que desdobrar-se em mãos,
Multiplicar-se em sonhos e em sedas
Toda vez que a argila precisar
De sonho e seda para dar-se à mão.

Décima

Esta mão para a já descrita argila
Deve ser seu incessante fogo:
Sua chama deve refiná-la,
Sem queimar deve produzi-la,
Forjá-la deve, fazendo-a ser argila.

Décima primeira

Moldar a argila se faz em dupla mão:
Palmas e dedos em variação contrária,
De fora para dentro em harmonia
Buscando completar o que são vãos;
De dentro para fora entumecendo
A matéria que resiste à forma varia,
Indecisa contendo o sim e o não.

Décima Segunda

Moldar a argila se faz por um conflito
Entre a argila e a carne que a comprime e solta
Para depois tornar ao mesmo princípio:
Revelar o escondido em suas voltas,
A geometria da espiral, o infinito
Ampliar-se contido no finito.

Décima Terceira

Moldar a argila se faz por necessários
Contatos entre as mãos e o vivo barro.

Décima Quarta

Moldar a argila é argilar-se a mão,
Moldar a argila é tornar-se mão a argila,
Sendo o desprender-se o argilar,
Sendo mão e argila o ativo contemplar-se,
O contemplar-se sendo o seu mover-se
A outro ser sustentado nesse agir-se.

Décima Quinta

A argila se define pela argila,
Por ela, sendo mãos, se equilibra.

Ata

Teu corpo resplandecente em teu rosto
Faz da beleza um sonho onde palpita
Serena a mão, em compasso amoroso
Com que em ti se volve pura argila.


[do livro Tu]

A imagem pode conter: Antônio Manoel Santos Silva

Antonio Manoel dos Santos Silva (Pitangueiras, SP, 1941) é professor formado pela Universidade Federal do Paraná em 1965. Escreve poemas e contos desde 1959, embora tenha começado a publicá-los em 1969, em revistas, e em livros (coletivos, desde 1995, e individuais, desde 2000). É co-autor de 12 livros, dentre os quais se destacam: Conto Brasileiro – quatro leituras (1979), Poesia e Música (1985), O cineasta e a margem do rio imaginário (2009). É autor de Análise do texto literário – orientações estilísticas (1981) e Os Bárbaros Submetidos (2006). Publicou dois livros de poesia, Tu (2000) e 35 poemas ou um – Novos Poemas da Negra (2010), e dois de narrativas, A invasão de Mariana e outros relatos fantasiosos e A quarta palavra (2015). Antonio Manoel leciona literatura na Unesp desde 1967. Atualmente reside em São Paulo, SP.

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