OBSCENO
A sua alma entreaberta
Observável em espiadelas
Valsando nua bem no centro
Dessa sala sem janelas
Fragilizada por lamentos
Que datam de outra estação
De quando arfava silêncios
Faltava o ar à redenção
Libidinosa alma é essa
Que se oferece ao imprevisto
Testa os sabores que lhe resta
Alma que se verga em cio
DIAGNÓSTICO
De todos os sonhos
Arrastados pela vida afora
Aquele que mais me assombra
É o que nunca sonhei
Relaciono-me intimamente com a falta
Conecto-me rapidamente à busca
Perco-me do agora com facilidade
Resoluta
Resumindo-me
Ausento-me de mim com frequência
Perco-me no infinito
Das minhas incertezas
CÁRCERE
Meu
cárcere é público.
cárcere é público.
Uma vitrine de dolências
que me inspira a alcançar o avesso,
que nem sempre é o meu.
Percebe?
Como se percebe um quadro torto,
em uma parede torta,
trazendo à tona
sentimentos tão tortos quanto o quando.
O quando dos laços que faziam mais do
que enfeitar pacotes.
que enfeitar pacotes.
Também garantiam veracidade aos
sentimentos.
sentimentos.
O quando da bagunça interior,
que se instala em almas não
acauteladas.
acauteladas.
Almas áridas e por opção,
não opção do Deus,
que a Ele não cabe essa culpa,
ou seria essa graça?
O quando dos olhares que não embarcavam
em fragatas,
em fragatas,
não se escondiam em lamúrias.
Embeveciam-se de uma paz tímida.
Expunham-se à nudez reverberante da
saudade.
saudade.
De quando nos permitíamos saborear
ventanias.
ventanias.
Uma delas levantou a saia da certeza,
impregnando-a de desjeitos,
fartando-a de desafetos.
Assim, emburrou a inábil dançarina.
Veja-me bem nesse cárcere:
curvada nesse espaço qualquer,
sem sol ou janela ou beijo nas faces.
Sem noite dormida no sonho.
Sou da órbita inspirada pela clausura,
dos arremedos baseados na distância,
das correntes arrastadas
em candura sentenciada a um contínuo
toque de recolher.
toque de recolher.
CALENDÁRIO
Venezianas me encantam,
feito a rotina em desamparo.
E o mar que seduz meu olhar,
é mar de mês de janeiro – do
calendário.
calendário.
O chão dos pés descalços,
as paredes que rebatem olhares vagos.
Há dias que silenciosamente pedem
o fevereiro de Carnaval imaginado.
As chuvas enlouquecidas de março,
no abril dos nossos segredos,
do dia de feriado em maio,
precedendo o junho de Antonio
casamenteiro.
casamenteiro.
Mãos tocam a textura de julho,
melindres de um agosto estancado.
Na beira de um rio de setembro,
de um outubro em relicário.
Finados sorrisos em novembro,
acompanhados de desejo por alegria.
Novenas desfilam em dezembro,
nesse calendário de nostalgias.
Ilustrações: https://www.deviantart.com/atra-virago
Ilustrações: https://www.deviantart.com/atra-virago
Carla Dias nasceu em Santo André (SP), em 1970. Sol em Escorpião. Ascendente Libra. Lua em Câncer. Poesia no diariamente. Com o Transformação foi classificada no V Concurso de Poesias de São Caetano do Sul (SP). Inquietou-se. Misturou a poesia com a prosa e publicou o Azul. À coletânea Encontros ofertou o conto Queda e participou do Poesias Brasileiras com o Arquétipo da Rebeldia Desenfreada. Há quase duas décadas, adotou o site Crônica do Dia, e lá continua na função de cronista. Cultivou a paixão pelos tambores e se tornou baterista. Ao lado de Vera Figueiredo, vem produzindo o festival Batuka! Brasil. Publicou os romances Os Estranhos, Jardim de Agnes e Estopim e Baseado em palavras não ditas, e o livro de contos O Observador. Livro das Confissões é sua primeira obra exclusivamente de poesia.