4 poemas de Diniz Gonçalves Júnior

 

Ilustração: Caio Santos

sabor a mí


a memória é sílaba de pássaros

canto que ondula o asfalto

relicário de ruas interditadas

periscópio de submarino encalhado

o quadro do baile de máscaras

o olho-mágico do apartamento 154

a imagem desfocada da cabine telefônica

terreno baldio sem o manda-chuva



avenida doutor arnaldo


demolidora formosa

li naquele caminhão

devolvemos a sua

amada

em suaves prestações

uma banca de flores:

sete dúzias de amores-perfeitos

dezessete vasinhos de cactos

quarenta rosas colombianas

no radinho, estão voltando as

flores nessa manhã tão linda

a dona conta o dinheiro miúdo

cheiro de chuva e sol deve ser

casamento de espanhol

cinco horas

outro congestionamento

os carros

quase todos prateados: olha um branco

e se fôssemos peixes num aquário interditado?



paraty


a dança desajeitada

dos siris que brotam

entre o lodo e

as pedras escorregadias

caminhos irregulares que impedem

a pressa

você na janela do café, uma fileira de

portas em todos os tons do pantone

a luz morna do bar que embala os barcos

o quarto sem vista para a rua

a manta de alumínio do telhado

os versos estampados nos vestidos

o nervo exposto dos becos

o sal que descama

os ossos da areia



valparaíso


cores em movimento

traçam caminhos

de taturana nas

paredes das casas

: o lego assimétrico

das escadarias

flores desafiam

a estátua de bronze

“o poema: ¡qué disparate eres!”

o guia turístico fala coisas místicas

(em sombras de sal nos becos)

sorria:

você está sendo filmado no ascensor florida

a cidade debruçada pro mar

guarda os relâmpagos

e tatuagens de gentes

pelas ruas que virão

as almas penduradas no firmamento:

na claridade e na escuridão

o casal de calendário faz cena no café mais

triste enquanto pedintes

e cães reviram as sobras do dia

 

 

Diniz Gonçalves Júnior: paulistano, autor de decalques (edição do autor) e concha acústica (dobra editorial).  Poemas publicados no Suplemento Minas Gerais, revista Cult, Germina, Gueto, Malarmargens, Athena, Casulo .

Respostas de 2

  1. Dinis Júnior é poeta do movimento. Da janela de um veículo, fotografamos imagens de como uma cidade está organizada – as peculiaridades suaves, ásperas. Nossa retina é tensa, comprometida, instigante: a própria paisagem. Dinis Júnior é poeta dos eventos abarrotados, invasivos, acostumados. Poesia do que vemos do veículo, mas e se desviarmos a atenção? Indiferente, o fluxo poético já não é nosso. A esse tempo, no passo a passo inventivo, não mais a poesia e o poeta; agora as idiossincrasias dos citadinos.

  2. É o meu primeiro contato com trabalho do poeta Diniz, e que muito me agradou, pela pintura em aquarela, em movimento sim, com seus tons e degradês, criando expectativas ante a contemplação das cenas em cada poema, em cada verso.

    – Mateus Ma'ch'adö/ autor do livro O Evangelho Segundo as HQs.

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