Ilustração: Caio Santos |
sabor a mí
a memória é sílaba de pássaros
canto que ondula o asfalto
relicário de ruas interditadas
periscópio de submarino encalhado
o quadro do baile de máscaras
o olho-mágico do apartamento 154
a imagem desfocada da cabine telefônica
terreno baldio sem o manda-chuva
avenida doutor arnaldo
demolidora formosa
li naquele caminhão
devolvemos a sua
amada
em suaves prestações
uma banca de flores:
sete dúzias de amores-perfeitos
dezessete vasinhos de cactos
quarenta rosas colombianas
no radinho, estão voltando as
flores nessa manhã tão linda
a dona conta o dinheiro miúdo
cheiro de chuva e sol deve ser
casamento de espanhol
cinco horas
outro congestionamento
os carros
quase todos prateados: olha um branco
e se fôssemos peixes num aquário interditado?
paraty
a dança desajeitada
dos siris que brotam
entre o lodo e
as pedras escorregadias
caminhos irregulares que impedem
a pressa
você na janela do café, uma fileira de
portas em todos os tons do pantone
a luz morna do bar que embala os barcos
o quarto sem vista para a rua
a manta de alumínio do telhado
os versos estampados nos vestidos
o nervo exposto dos becos
o sal que descama
os ossos da areia
valparaíso
cores em movimento
traçam caminhos
de taturana nas
paredes das casas
: o lego assimétrico
das escadarias
flores desafiam
a estátua de bronze
“o poema: ¡qué disparate eres!”
o guia turístico fala coisas místicas
(em sombras de sal nos becos)
sorria:
você está sendo filmado no ascensor florida
a cidade debruçada pro mar
guarda os relâmpagos
e tatuagens de gentes
pelas ruas que virão
as almas penduradas no firmamento:
na claridade e na escuridão
o casal de calendário faz cena no café mais
triste enquanto pedintes
e cães reviram as sobras do dia
Respostas de 2
Dinis Júnior é poeta do movimento. Da janela de um veículo, fotografamos imagens de como uma cidade está organizada – as peculiaridades suaves, ásperas. Nossa retina é tensa, comprometida, instigante: a própria paisagem. Dinis Júnior é poeta dos eventos abarrotados, invasivos, acostumados. Poesia do que vemos do veículo, mas e se desviarmos a atenção? Indiferente, o fluxo poético já não é nosso. A esse tempo, no passo a passo inventivo, não mais a poesia e o poeta; agora as idiossincrasias dos citadinos.
É o meu primeiro contato com trabalho do poeta Diniz, e que muito me agradou, pela pintura em aquarela, em movimento sim, com seus tons e degradês, criando expectativas ante a contemplação das cenas em cada poema, em cada verso.
– Mateus Ma'ch'adö/ autor do livro O Evangelho Segundo as HQs.