4 poemas de Jandira Zanchi

Ilustração:  Mikhail Vrubel 

REALEJO

marítimo ritmo decaído no sol da tarde

                                 espasmódico cântico

de parentescos

 

nuances quase virgens de recolhimento

nos passos inábeis da moça de branco

 

sua auréola sedosa de desconhecimento

por entre os ladrilhos vermelhos da rua única

abastada e impertinente

 

os grossos comboios que se despedem

reabrindo caminho e caminhantes

retornando em uma cesta de flores

as vazias estiagens dos sofrimentos

 

polidos e dóceis ao pé do viajante

e sua arma

                     e sua morte

campos magros e inaudíveis

incrustada na madeira o perfume, esse aroma,

ainda, os passos , um realejo.

 

ESPECTRO

 

uma noite de dentro e de morte

películas de lucidez me apartando

da terra

 

já quase atravesso a sina

a senda

 

o semáforo colorido do dias nem tanto

 

reconstruo pequenas redomas, umas recordações estriadas

e sem pormenores

 

nenhum som ou perfume parece voltar dos passos das trocas

das escutas

da ilegítima espera espiralada

quase tão nítida e vagarosa como sol/ intumescido espectro

 

andarilho fluente

para as sombras

um vasto gelo de si e fá

 

lacrimejado e levitado aspirado de uma acorde do deus

seu sonho de ametista e silêncio

fio prata até o anjo, a madre, a espiral na lua

e no adro 

um sobrenome vertical, a partícula da eternidade

reconstituída.

 

MÍSEROS

 

e esses ais- imorredouros como canções saudosistas espirradas e astutas

dos anos 40 –  tão sacrílegos e sacrificados como santos nauseados

das perfeitas inverossimilhanças  da carne, enfim oferendas de reis derramados

para solenes mendigos, quase rasos, ainda imberbes do desejo

 

acordados e finitos  esses tempos tardios de noites sisudas/saídas/safadas

semi-virgens em fardos ancorados no puro prazer de se ater a

pistolas sinuosas enviesadas, antes escaravelhos quase invencíveis

na contínua batalha pela falta de retidão…mansidão

 

enfim,os véus que desnudam e/ou escondem míseros e mágicas e

maiúsculas  – senha sufocada (meia estrada)

vestíbulo de ordenha  

 

ordenanças ou odiosas pois os que,hoje serão sacrificados,

ainda tecerão perdões ou ambições ou vales tão escorregadios

que mesmo o mais remoto de seus pares em si curvará

em algum te aceitará e sempre e depois nunca mais se saberá.

 

CANTEIROS

 

dias não confiáveis, esses, sem sonhos

                                                          delírios sem hoje

o som de um murmúrio azul e aberto ao sol

nubente de alguma manhã

 

risos sem festas

acanhados passantes (foi um vento do céu)

tão distantes e passageiros como uma coleção de dias

noites naufragas

moribundas da terra

estio na margem

                                a imagem

 

pecado levado e agonizado

estreitado o altar

 

vai ser preciso se despedir de tudo

ou tudo vai se despedindo com acenos sem até breve

 

canteiros sem flores

um dia,nesse chão ou nas suas proximidades

 

chuva fina opaca

vertical e sem dor.

 

Jandira Zanchi é poeta, ficcionista e editora (singularidade). Publicou A Janela dos Ventos (singularidade,2017),  Área de Corte e Gume de Gueixa (Patuá, 2016, 2013), Balão de Ensaio (Protexto,2007). Integra o corpo editorial de Amaité poesias & cia.

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