Ilustração: Mikhail Vrubel |
REALEJO
marítimo ritmo decaído no sol da tarde
espasmódico cântico
de parentescos
nuances quase virgens de recolhimento
nos passos inábeis da moça de branco
sua auréola sedosa de desconhecimento
por entre os ladrilhos vermelhos da rua única
abastada e impertinente
os grossos comboios que se despedem
reabrindo caminho e caminhantes
retornando em uma cesta de flores
as vazias estiagens dos sofrimentos
polidos e dóceis ao pé do viajante
e sua arma
e sua morte
campos magros e inaudíveis
incrustada na madeira o perfume, esse aroma,
ainda, os passos , um realejo.
ESPECTRO
uma noite de dentro e de morte
películas de lucidez me apartando
da terra
já quase atravesso a sina
a senda
o semáforo colorido do dias nem tanto
reconstruo pequenas redomas, umas recordações estriadas
e sem pormenores
nenhum som ou perfume parece voltar dos passos das trocas
das escutas
da ilegítima espera espiralada
quase tão nítida e vagarosa como sol/ intumescido espectro
andarilho fluente
para as sombras
um vasto gelo de si e fá
lacrimejado e levitado aspirado de uma acorde do deus
seu sonho de ametista e silêncio
fio prata até o anjo, a madre, a espiral na lua
e no adro
um sobrenome vertical, a partícula da eternidade
reconstituída.
MÍSEROS
e esses ais- imorredouros como canções saudosistas espirradas e astutas
dos anos 40 – tão sacrílegos e sacrificados como santos nauseados
das perfeitas inverossimilhanças da carne, enfim oferendas de reis derramados
para solenes mendigos, quase rasos, ainda imberbes do desejo
acordados e finitos esses tempos tardios de noites sisudas/saídas/safadas
semi-virgens em fardos ancorados no puro prazer de se ater a
pistolas sinuosas enviesadas, antes escaravelhos quase invencíveis
na contínua batalha pela falta de retidão…mansidão
enfim,os véus que desnudam e/ou escondem míseros e mágicas e
maiúsculas – senha sufocada (meia estrada)
vestíbulo de ordenha
ordenanças ou odiosas pois os que,hoje serão sacrificados,
ainda tecerão perdões ou ambições ou vales tão escorregadios
que mesmo o mais remoto de seus pares em si curvará
em algum te aceitará e sempre e depois nunca mais se saberá.
CANTEIROS
dias não confiáveis, esses, sem sonhos
delírios sem hoje
o som de um murmúrio azul e aberto ao sol
nubente de alguma manhã
risos sem festas
acanhados passantes (foi um vento do céu)
tão distantes e passageiros como uma coleção de dias
noites naufragas
moribundas da terra
estio na margem
a imagem
pecado levado e agonizado
estreitado o altar
vai ser preciso se despedir de tudo
ou tudo vai se despedindo com acenos sem até breve
canteiros sem flores
um dia,nesse chão ou nas suas proximidades
chuva fina opaca
vertical e sem dor.
Jandira Zanchi é poeta, ficcionista e editora (singularidade). Publicou A Janela dos Ventos (singularidade,2017), Área de Corte e Gume de Gueixa (Patuá, 2016, 2013), Balão de Ensaio (Protexto,2007). Integra o corpo editorial de Amaité poesias & cia.