4 poemas de Milton Rezende



ANÍMICA

 

quando eu tinha todos os movimentos
eu era sol entre nuvens
aves de arribação
qualquer coisa de menos sólida
por haver.
eu via cachoeiras em meus sonhos
remanso de rios
pedra grande de sentar menino
florestas a esculpir.

Da Essencialidade da Água

A QUEDA           

Não digo que estou
no fundo do poço
porque este não é mensurável
e sempre se pode cair mais ainda.
Mas estou numa queda livre
e vertiginosa.
A roupa do passado não me serve,
o presente é roto
e estou sem vestes para o futuro.
E numa queda os laços vão-se rompendo,
se dissolvendo,
desagregando-se.
Nenhum laço segura um homem
que cai por muito tempo.
A dignidade é uma palavra para pessoas de pé.
Na horizontal os conceitos são outros.


A Sentinela em Fuga e Outras Ausências

 

ÓDIO

Ódio de tudo:
de ti, de
mim, da
sombra no
asfalto, das
conversas
dos vizinhos
comendo
churrasco e
arrotando
bobagens,
dos barulhos
no telhado,
da televisão
ligada em
programas
de auditório,
dos ruídos que
vem das ruas,
do ambiente
de trabalho, das
necessidades
fisiológicas dos
governantes, da
inteligência
pedindo
esmolas
aos agiotas,
dos restaurantes
abarrotados
(que raiva das
pessoas perfi-
ladas mastigando
qualquer carne),
ódio de tudo
e de todos,
neste momento
em que faço
uma análise
antes de deitar
o meu cansaço.

Uma Escada que Deságua no Silêncio.

SER

Não tenho que estar aqui
ou em qualquer parte.

Não tenho porque sentir
desta ou de outra forma
aquilo que não sinto em mim.

Nada justifica ou nega
a minha existência,
mas reforça a tese
da inércia como norma.

Mas se estou inerte
a minha inércia é uma postura.
É um estar aqui.

O que sou é este vazio em mim.
Este ímpeto não direcionado
a pulsar num imenso vácuo.
Um deserto interior a buscar água
num deserto exterior projetado.

Sou esta ânsia e esta calma.
Sou uma coisa e outra e não sou nada.
Sei que existo e saber isso não me ajuda
(a consciência que tenho de estar acordado
é a certeza que tenho de não estar dormindo).

Sei que posso mudar alguma coisa,
uma vez que tenho espaço físico
para agir como se fosse livre.
Mas nada do que eu fizesse teria significado.

Seria um trocar de camisa
depois de um suposto banho.
Seria como atravessar a rua
trazendo a outra margem dela até mim.
Serei sempre eu mesmo e na pior circunstância
de nada ter mudado em essência.

Sou isto:
Um porão vazio
abarrotado de quinquilharias.

Areia (À Fragmentação da Pedra)

Ilustrações: Matt Molloy

Milton Rezende, poeta e escritor, mineiro de Ervália (MG). Morou em Juiz de Fora (MG), Varginha (MG), Campinas (SP), Ervália (MG) e retornou a Campinas (SP). Possui quinze livros publicados e tem um Site e um Blog.

Fortuna crítica: “Tempo de Poesia: Intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, de Maria José Rezende Campos (Penalux, 2015).

www.miltoncarlosrezende.com.br

estantedopoetaedoescritor.blogspot.com.br

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