APENAS UM POEMA CONFESSIONAL EM TEMPOS DE REPRESSÃO ESTÉTICA_
porra você é egoísta ela disse
você está esfacelando todos os nossos planos ela disse
eu vou ficar bem ela disse
deus vai me ajudar ela disse
eu sonhei ontem com você soltando minha mão ela disse
mas acordei feliz ela disse
eu tinha um presente mas esqueci na bolsa ela disse
eu quero que você continue indo ao psicólogo ela disse
pare de fumar e de mascar chiclete não faz
bem aos seus dentes
seu sorriso é bonito pena que ela disse você não o usa muito
merda! eu não vou chorar ela disse
e sorriu é assim que se faz ela disse
(carro luzes lua um buraco negro quando se precisa
pra acabar com tudo pensei)
você não me amava o bastante ela disse
o amor não é o bastante disse Rimbaud
seus piores poemas são sobre mim ela disse
eu sei
finalmente
eu tinha o que dizer
29 de set. de 2017
EXCERTO SOBRE A ANTIPOESIA_
das vezes em que batalhei com uma página em branco
lembro principalmente
de uma visão me golpear
atravessando a porta da minha casa
até alcançar meus nervos óticos já doloridos
cidade poeirenta no centro de toda essa desolação
ruas assobradadas pés de manga bares antenas
celulares quebrados carros trabalhadores rurais
cheiro de alumã e mastruz na casa vizinha
Luiz Gonzaga transverberava
daqui até as colinas serem ouvidas
então percebia que não tinha nada a dizer
naquele momento determinado no tempo
das coisas estadas
caderno na mesa
coração na guerra infinita
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Ilustração: Emilio Kabchi |
ELETRICIDADE_
a boca
agora desliza
cálida
pelo
corpo trêmulo
pela
silenciosa rua fria
com maio sangrando
sua esperança sobre nós
assim
eu sinto que poderia perdoar
o Kundera
e você
talvez
a Rússia
mas nunca
perdoaremos a América
poderíamos nos esgueirar
à noite toda
sob estes letreiros e faróis
e inaugurar
um novo hotel no universo
à beira
de um precipício
no desencanto
poderíamos procrastinar
nossos compromissos
seja com o namorado
ou com o ônibus das dez
poderíamos permanecer atados
na escuridão
SEXTAPE_
há melancolia demais aqui
da
minha
pupila
ao meu esperma
você conhece bem o quarto
seria capaz de deslizar
silenciosamente até o esgotamento
mas parece suportar bem
a insossidade do ar
o copo de café frio na cabeceira da cama
as contas de energia
que consegui pagar este mês
e as duas que ainda faltam.
sei bem o que pensa
quando diz que me ama
enquanto isso
a noite percorre
todo o cômodo
com as luzes perdidas
atravessadas
dos caminhões de comida enlatada
com esse frio
abatendo nossos ossos
exumando dimensões fantasmas
ao chegar a alvorada
SENTIMENTO PERDIDO NO MUNDO_
um velho
trabalhador
parado no ônibus
sob a luz incandescente
do ocaso
esperando
a porta abrir
Anielson Ribeiro, 24 anos, sertanejo atravessado pela inconsistência das fronteiras interestaduais entre Petrolina (PE) e Casa Nova (BA), professor, licenciado em letras – português (UPE), membro antidadaísta do Círculo Literário Analítico Experimental, colunista no blog https:// attraversiamocolunasco. blogspot.com/ e mantém um pequeno espaço no Medium (medium.com/@anielson. ribeiro777 ) para divagações, contos e poemas. Não possui nenhuma publicação oficialmente publicada (o subemprego não cobre o ISBN).