5 poemas de Artur Ribeiro Cruz

imagem: eduardo frota, 2001

 vasculho nossa casa com lupas do desespero

onde a arquitetura dos afagos:  o ninho?

quantos pelos, meu bem, espalhados

mas não ao acaso  —  que a queda é efeito —

abismo entre folículos
                      
               recital de redemoinho                                                     


este mapa de carícias

delineia precipício no relevo

ovalado por tua pele imaginária

onde dedilho fronteira

no meio de valas e planícies

minadas: artifício do estilhaço:
                        
                     teu corpo, meu exílio




liturgia para aluvião


buscar no desvio do leito a liturgia

em coisa miúda intervalo mínimo

mimo que amiúde desminta a vala

embora pelo canal não se cale o fluido



abaixar-se a moldar rito em baixio

quando se venera o silvo em desvão

aquele que solfeja a planta do ataúde

esquife abaixo teto leito acima chão



enfim evaporar qualquer símbolo de morte

ao que dela estivesse embaixo da chã

sublimação geométrica da porosidade

de forma que a vida canoe rente ao rio




imagem: eduardo frota, 2001


blake do sertão

A mim pouco importa simetria

dum tigre brilhante à noite

em frêmito de místicas labaredas



sou sertanejo órfão de floresta

onde cana corta foice

pra onça lamber veredas




quinto império

limo antigo besunta

o rejunte do azulejo

hoje arranho céu na unha

a teus pés, mar que desejo



reencontro em rodízio

Você convida fácil

Eu, convívio difícil

Você traz na boca um mausoléu

Eu arrasto tragos e estragos

Você pede suco adoçado com mel

Eu, pinga, limão e fel

Você estuda o passado e crê no futuro

Eu, ex-tudo, quase nada

Você fica muda e faz nada

Eu, desnudo, nidifico

Você sente frio

Eu me finjo forte horas a fio

Você olha profundo

Eu, óleo, presumo

Você presume

Eu, presunto e alho

Você bebe

Eu beijo

Você boqueja

Eu, mais uma de queijo

Você esbraveja

Eu, mais uma cerveja

Você chora

Eu, chorinho e samba

Você sai

Yo salgo o último pedaço de pizza

E vou-me embora sozinho

[Semanário do corpo, Editora Patuá, 2015]

Artur Ribeiro Cruz nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo, em 1981. Mudou-se para São José do Rio Preto para estudar Tradução na Unesp, onde também desenvolveu mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa. Tem três livros publicados. Em 2009 publicou em coautoria O cineasta e a margem do rio imaginário (Arte e Ciência Editora), resultado de estudo comparativo entre as obras de Nelson Pereira dos Santos e Guimarães Rosa. Em 2015 lançou Semanário do Corpo (Editora Patuá), sua estreia na poesia. Em 2016 publicou Vagalumes sem noite: contos entre sombra e luz, pela Editora Penalux. 


 

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