imagem: eduardo frota, 2001
vasculho nossa casa com lupas do desespero
onde a arquitetura dos afagos: o ninho?
quantos pelos, meu bem, espalhados
mas não ao acaso — que a queda é efeito —
abismo entre folículos
recital de redemoinho
este mapa de carícias
delineia precipício no relevo
ovalado por tua pele imaginária
onde dedilho fronteira
no meio de valas e planícies
minadas: artifício do estilhaço:
teu corpo, meu exílio
liturgia para aluvião
buscar no desvio do leito a liturgia
em coisa miúda intervalo mínimo
mimo que amiúde desminta a vala
embora pelo canal não se cale o fluido
abaixar-se a moldar rito em baixio
quando se venera o silvo em desvão
aquele que solfeja a planta do ataúde
esquife abaixo teto leito acima chão
enfim evaporar qualquer símbolo de morte
ao que dela estivesse embaixo da chã
sublimação geométrica da porosidade
de forma que a vida canoe rente ao rio
imagem: eduardo frota, 2001
blake do sertão
A mim pouco importa simetria
dum tigre brilhante à noite
em frêmito de místicas labaredas
sou sertanejo órfão de floresta
onde cana corta foice
pra onça lamber veredas
quinto império
limo antigo besunta
o rejunte do azulejo
hoje arranho céu na unha
a teus pés, mar que desejo
reencontro em rodízio
Você convida fácil
Eu, convívio difícil
Você traz na boca um mausoléu
Eu arrasto tragos e estragos
Você pede suco adoçado com mel
Eu, pinga, limão e fel
Você estuda o passado e crê no futuro
Eu, ex-tudo, quase nada
Você fica muda e faz nada
Eu, desnudo, nidifico
Você sente frio
Eu me finjo forte horas a fio
Você olha profundo
Eu, óleo, presumo
Você presume
Eu, presunto e alho
Você bebe
Eu beijo
Você boqueja
Eu, mais uma de queijo
Você esbraveja
Eu, mais uma cerveja
Você chora
Eu, chorinho e samba
Você sai
Yo salgo o último pedaço de pizza
E vou-me embora sozinho
[Semanário do corpo, Editora Patuá, 2015]
Artur Ribeiro Cruz nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo, em 1981. Mudou-se para São José do Rio Preto para estudar Tradução na Unesp, onde também desenvolveu mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa. Tem três livros publicados. Em 2009 publicou em coautoria O cineasta e a margem do rio imaginário (Arte e Ciência Editora), resultado de estudo comparativo entre as obras de Nelson Pereira dos Santos e Guimarães Rosa. Em 2015 lançou Semanário do Corpo (Editora Patuá), sua estreia na poesia. Em 2016 publicou Vagalumes sem noite: contos entre sombra e luz, pela Editora Penalux.