5 poemas de Lila Maia

Ilustração: Robin Cedrutti


A LÍNGUA HUMANA
 
Dois tigres lentos observam
minha mão esquerda sobre o papel.
 
Escrevo o poema português utilizando versos italianos.
Imagino as gôndolas de Veneza
invadindo a praia de Copacabana.
E minha língua está coberta de falas
na Catedral de Notre-Dame,
mas não rezo.
Invoco o que a literatura faz por mim:
tento inaugurar outras paisagens.
Se acrescentar uma palavra em chinês
sinto falta de tudo que é lugar-comum:
gente, carros, as folhas mudando de cor no outono.
 
Escrevo o poema português
não para falar sobre o declínio do mundo,
as leituras erradas que fizemos sobre nós.
 
Escrevo neste recesso,
porque o espelho faz parte de mim.
 
 
UM CERTO DOM QUIXOTE                                                                   
 
De nada adiantou sair brandindo a espada
de Dom Quixote ou Joana D’Arc.
É vagaroso o barco das perdas e ganhos.
A injustiça tem passos largos.
 
Falo de realidades com sanha feroz e riso claro
de quem sempre desejou a casa, o mar.
Acreditei que Deus pudesse ser mais.
Mais é a faca no peito,
são as contas a pagar num galope marcado:
a vida é Severina demais para ouvir o galo.
 
 
FALO DESTA MULHER
(Para Maria)
 
A que chamei de mãe
e me fez ficar parecida com ela.
 
A que me fez cumprir promessas
diante do azul e do branco.
 
Retorna se a chamo
nunca como santa
apenas
              mãe,
                       mãe.          
 
 
Estes três poemas fazem parte UM RIO A CADA DIA, publicado pela editora PATUÁ, março de 2025.

***


A HORA DE SER
 
É amargo ser ovelha
e ter atrás de si um rebanho.
Tento compreender a quietude das águas,
esse bico de pássaro querendo vestígios e chão.
Aquelas palavras ditas na mesa
são as mesmas que me levam
a ver o fundo desse verde escaravelho
percebendo que o buraco é aqui no peito
onde tenho inferno e estrela.
 
De porta em porta
abro janelas.  
 
 
CANTO INTERMITENTE
                  
Celebro uma ferocidade plena.
Furo com os dedos teu peito nu.
Parto que nem vento.
E saio da boca do leão para a do lobo.
Janeiro me trai feito sol.
Tudo que podia brotar não é flor.


Estes dois poemas fazem parte da Antologia Poética de Lila Maia, publicada pela Academia Maranhense de Letras, setembro de 2025.



LILA MAIA é maranhense e vive no Rio de Janeiro. Poeta, pedagoga. Escreveu os livros de poemas: DE PORTA EM PORTA ABRO JANELAS (Patuá), UM RIO A CADA DIA (Academia Maranhense de Letras), AS  MAÇÃS DE ANTES (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura 2012 – Prêmio Helena Kolody de poesia. Com esse livro foi semifinalista do Prêmio Oceanos); CÉU DESPIDO (vencedor do II Prêmio Literário Livraria Scortecci-SP) e A IDADE DAS ÁGUAS.  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *