5 poemas de Rubenio Marcelo

 

O desguardador de dores 

 

em suas retinas

as imagens imóveis não codificam

as ânsias que lhe habitam…

e não pela vez primeira

um sorriso urgente molda-lhe o
semblante

adolescendo as esperas

e contemplando o segredo das
auroras…

 

quais mármores espedaçados

suas palavras pedem o gume do
vazio

pois os organogramas das manhãs

já diluíram o faro das suas
reminiscências…

e mais uma vez
os sabiás de voos dourados

que lhe gorjeiam
e apontam o sol

desatestam o
óbito do devenir

 

sem surpresas

cortando o pulso das horas

lateja em sua fronte

a mesquinhez acrobática do
cotidiano…

e novamente amadurece em seu
olhar

o néctar que reinventa os jardins

que colorem os colibris do sonho

 

a flor negra na lapela do tempo

espreita os seus passos matinais

enquanto os arranha-céus da
solidão

ocultam o sorriso dos
flamboyants…

e salvaguardando-se com silêncios

ele grita a liberdade

sempre

assim…

 

e assim ele segue

sempre

          e sempre

aguardando andores

desguardando dores…

 

Contemplador de silêncios

 

branco de sonhos

ele não brinca de senhas

e enovelando os flocos da solidão

busca a meada e o fio

das coerências da silencitude

 

ausências retesadas não leem suas
linhas

nem alinham suas mãos

que driblam o casulo dos
desejos…

qual voo desfeito na falésia

é a sensação do agora

– há presságios refletidos
no vazio

   das ruas minguantes que lhe acenam…

 

acolhendo o lapso que apazigua a
dor

ele recobra o estatuto da aurora

       e clareia-se em passos de cirandar…

comete dádiva dourada

e a tácita taciturnidade da
surpresa

que instiga a desinquietude

pelos postigos da essência…

 

e tirando os véus do seu mergulho

ele renega as setas do delírio e
da angústia

retornando ao imponderável
instante

fincado no  desvelo inconsciente

– seus pilares
neurônicos latejam

    sem excessos e sem punhais…

 

ante a libido esfarelada da
emoção

e a pulsão das estranhezas
reveladas

ele queima a carta de despedida

vai ao espelho

recolhe a lágrima banal e insana

reprime o transgressivo grito

desmelancoliza-se

reordena o seu vir-a-ser

e renova-se em estado de
silêncio…


    
 

Gaivotas

  

Na barca veleira

dos meus sentimentos

gaivotas pousam cansadas,

como a procurar as luzes efêmeras

das pálpebras do tempo…

Em revoadas, tecem auroras

no vértice das chegadas e
partidas

que me eternizam lembranças…

 

Estas gaivotas

       me ardem palavras matinais

e, à noite, confundem-se

com as estrelas irrequietas

do meu espaço mental…

 

Deixam-me insone

para vigiar as minhas intenções

e o sarcástico segredo

do fogo dos desejos

ante as dádivas das direções
anunciadas

pelos anjos sem trombetas…

 

Estas gaivotas

emprestam-me suas asas

para que eu sinta

|por entre as sombras das
realidades caolhas|

a leveza de um novo olhar

no claro-azul das mutações
circundantes…

 

Estas gaivotas

reinventam rotas nas minhas
retinas…

Adornam a minha solitude:

entendem as certezas dos meus
desalentos

e equilibram o voo

das minhas incertezas…

 

Caravelas

 

E descubro nestas caravelas

as paisagens levitadas em
sintonia

com os pássaros e estrelas…

naturalmente translúcidas

não precisam de carta das marés

talvez das auras que arejam  o espírito

e
edificam passadiços para

a estesia do ser… …

de repente

milhares de milhas são vencidas

sem as incursões de corsários

e sem os rangidos

das noturnas lendas dos mares

 

nos ares

os ecos azuis dos vilancetes

desancorados das amuradas

e refletidos nos rochedos
flamejantes

convocam os ventos

para turnos extras de renovos

e para embalar a solidão

das sonâmbulas nuvens

cravejadas de elegias…

 

e vejo sobre o convés principal

destas caravelas

vistosos cavaletes

              com telas tridimensionais

              e nelas

prismas e pincéis de sóis

a delinear símbolos lúdicos

e a recriar elos de primazias
intermináveis…

 

há códigos discretos

nas velas dianteiras destas
caravelas…

inconvencionais mensagens

                  [quais champanhas

                  com sabor de segredos]

aos navegantes da essência.

 

 

Velho relógio de parede

 

Ah, este velho relógio de parede

irritando as horas,

               no convés do mundo,

tentando pôr os ‘ires e vires’ no
ponto…

minutos e segundos

 que consomem nossos ouvidos,

enquanto as vidraças

sorriem dos supersônicos…

 

Ah, este relógio antigo…

nele, o tempo desconhece

a velha engrenagem humana

na parede pregada

e sem ponto de fuga;

nele, as luvas das jornadas

renegam a impontualidade

do cantar dos galos…

 

E, a intervalos

nem tanto regulares,

há sempre algo a nos dizer

que o tempo não se assusta

diante do espelho,

nem sente falta de um divã na sala
de estar,

tampouco se impressiona

ante as acrobacias de um raio de
luz.

 

Em ponto de cruz,

o tempo borda imagens,

à frente das carruagens

cerzidas com norte incerto,

          perdidas num longo deserto…

 

Com tato, a noite traz o ponto de
contato

aos bichos e paisagens,

                 aos seres e edifícios,

                             aos desenleios e
desejos.

A penumbra é o ponto alto:
acomoda as cores da vida…

Nas avenidas, velhos semáforos
medem o caos;

no mar, os rastros do plenilúnio

dão o ponto de equilíbrio

do sentimento cadenciado pelo
mesmo vento

que proporciona o fecundo voo de
polens

e o susto breve da donzela na
escadaria…

 

E, na parede fria,

o enfadonho relógio a refletir o
tédio

e a repetir

a mesmíssima toada,

qual uma ciranda de ganidos

que demarcam um ponto.

 

Isto é ponto de honra

e nunca se abala.

Relógio de ponto

em ponto de bala.

 

Relógio sem pulso

a pulso na sala;

qual ponto-limite

ou ponte de sal…

 

Um tanto torto,

em ponto morto,

sem ponto… a/final.

 

 

Ilustrações: Vladimir Kush

 

 

 

Rubenio Marcelo é poeta escritor, compositor, ensaísta e revisor. Membro titular da Cadeira 35 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL), da qual é atualmente integrante da Comissão de Cultura e foi secretário-geral (até outubro/2020). Autor de dez livros publicados e três CDs, destacam-se nas suas obras autorais mais recentes, além do CD “Parcerias”, os livros Horizontes D’Versos, Voo de Polens, Veleiros da Essência, Palavras em Plenitude (prosa e crítica
cultural, Ed. Life) e Vias do Infinito Ser (poemas, pela Ed. Letra Livre), este – já em segunda edição – indicado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) como leitura obrigatória para o Vestibular 2021/2022 e para o triênio do PASSE. É membro correspondente da Academia Mato-Grossense de Letras (AML). Foi Conselheiro Estadual de Cultura de Mato Grosso do Sul. Reside em Campo Grande/MS. 

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