5 poemas de Sidnei Olivio

À flor da vista 


 I


Seus olhos estáticos
dependurados no tempo.
Transe paralelo à procura
de um ponto infinito.

Ver pela primeira vez
a escritura da natureza
no hiato do invisível.
A contemplação das coisas
que realmente existem.

Fagulha do desconhecido.
Dúvida imensa que nada espelha.
Mas que se reconhece constante
como a sombra da manhã
atravessando a porta.


II

Trama poética que enreda o mundo
na leitura sempre imprecisa.

Seus olhos locupletam
acima do mistério
o poema impenetrável.

Escultura versada
pelo sopro ancestral do barro.
Do cheiro de terra molhada.
Da beleza revelada pela paisagem
que habita o escuro. 

 

 

A infinitude é apenas uma ideia

 

A procura inconformada

de um instante perdido

ou do nada que restou

numa gaveta vazia.

 

O futuro despreocupa-se.

Apenas o presente importa

dia após dia passando devagar

enquanto o mundo se despe lá fora.

 

Meus passos vestiram sua distância.

Há uma voz que não deixa mudo

o tom surtado, quase exasperante,

da partícula “se”.

 

Se eu virar o volante subitamente

e tomar novo rumo?

Se pular desse edifício

em seu colo metafórico?

 

Se eu apenas tomasse um porre

ou dourasse a pílula?

 

Se ela deixasse de ser

minha musa venal

e eu findasse o poema

sem verso-remate?

 

Se afônicas reticências

fossem a síntese do fim?

 

 

à sombra dos ciclos

 

vultos à volta
movem-se lentamente
feito lembranças
de um tempo ardiloso

o espelho prende à parede
translúcida realidade –
anverso das manchas de aço
no impressionismo da face

em vestes esvoaçantes
(à moda dinâmica dos fantasmas)
cortinas balançam o vento

revolvem poeira
sobre o soalho de pedra
que atravessa corredores
da casa ancestral

estiagem que anuncia
finitude de estações
nesse acúmulo de setembros 

 

 

A vida se apressa para a noite

 

Na derrocada das chuvas

a dama-da-noite espalha em silêncio

seu branco perfume.

 

Aguarda o prematuro outono

enquanto respira a madrugada

das alamedas solitárias

 

onde edifícios se erguem

e tombam.

Em seus rastros, o espaço

 

e velhas pedras para novas construções.

Velhos jardins para novas damas

(terra convertida em carne e osso.)

 

Há um tempo para viver e desejar

e um tempo para o vento

sacudir folhas, flores

 

e carregar para além das esquinas

a luz perfumada que se declina

nas sombras da tarde.

 

 

algum pedaço de terra

 

ao poema

não se intenciona o ouro

mas a terra lavrada

 

cordão de sementes

que veste o corpo

e mede o caminho

 

do pó ao barro –

grifo memorial

das impressões de início

 

escrever não é escolha

é viver condenado

às imagens do espelho

 

(altivez do verbo

gravidade estrita

que não atravessa a noite)

 

à margem do desfecho

não há encanto possível

apenas a salvação do plantio

 (há que se bastar).


Ilustrações: Arnold Böcklin




SIDNEI OLIVIO – biólogo e poeta. Autor de 11 livros de poesia e prosa poética, além da participação em 23 coletâneas, sendo os principais Leituras de Brasil, 2001, Ed. da UNESP e Petali d’Infinito, Accademia Internazionale Il Convivio, Itália, 2002 e Mapa Cultural Paulista, Lisboa, Portugal, 2002. Vencedor de vários prêmios literários. Tem publicados ebooks de poesia infantil em português e inglês. Publicações ainda em várias revistas e jornais literários e científicos (zoopoesia).

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