
MIRA-ME COMO QUEM MORRE!
Se a bela ninfa Eurídice fosse eu,
Tocarias tua lira, poeta?
Voltar-te-ias para mim, Orfeu?
Por beleza morrerias, esteta?
Imensa dor invernal sentirias
Ao desceres ao mais gelado inferno?
Isso tudo por mim suportarias
Após me jurares o amor eterno?
A hebreia voltou-se para trás,
Sodoma e Gomorra precisou ver.
Dava-se em compaixão pelos demais,
Possível é sem apego viver?
Tu preferirias tua vida a mim?
Lançar-me-ias um olhar assim?
***
BOLA DE SEBO
Perdoa-lhes, pai, não sabem que fazem,
Minhas vestes dividem entre si!
No exercício do mal se satisfazem:
Pode humana dor causar frenesi?
Dos semelhantes a carne devoram,
Enquanto aos inimigos culto prestam.
Mas vejo que a verdade não ignoram,
Só sem dó seu lugar ao sol protestam.
Vós nunca pecastes por ignorância!
Somente agora posso eu entender.
Se no engano mantêm eles constância,
É neste mundo buscando ascender!
Humano em classes estratificado,
Que sejas logo tu erradicado!
***
FRANCESCA E PAOLO
Líamos a história de Lancelote –
Discreto ele meu sorriso mirou.
Guardamos o livro, então, num caixote:
Ele meus lábios sorrindo beijou!
Que enorme felicidade senti,
Eu a mais felizarda pensei ser.
Ocorre que a alegria é triste em si,
Posso contigo ao inferno descer!
O amor duo é, carrega também dor:
Podes fincar, em meu peito, punhal.
Eis a dialética, meu senhor:
Tristeza, uma só; contento é plural!
Morta caí eu, cessou a leitura.
Vivo no Hades com tua ternura!
***
BAILE DE MÁSCARAS
Cheguei ao mundo, nem bem me sentei,
Recebi o cardápio em mãos.
Dentre o que podeis ser, oh, escolhei,
Só não tireis a máscara dos sãos!
E, por Veneza, muito que vaguei,
Até perder-me por entre suas faces.
Todos fingem ser reis! Oh, percebei!
Nunca tiram do rosto seus disfarces!
De tanto usá-las, perderam-se a si.
Não há mais rosto que dure, verdade.
Algo tão assustador jamais vi,
Escravos todos da mediocridade!
Ali, quando desnudo te encontrei,
Que eras único no mundo notei!
***
ESPELHAMENTO
Gosto da forma como tu
Traduzes aquilo que sinto.
Deslindas nós e déjà vu,
Mesmo quando, sem saber, minto.
Meus pensamentos e palavras
Ninguém nunca assim entendeu.
Em verdade, até minhas lavras
Ele, antes de mim, conheceu!
Este mato que capino eu,
O terreno que quero abrir:
Tudo isso é conhecido teu!
Fazes-me do enrosco sair!
Amor assim dantes não vi:
Em teus olhos eu refleti!
***

Giancarla Francovig Peralta Ceravolo, escritora, tradutora literária de turco e revisora. Graduada em letras português e árabe, é mestranda em educação, linguagem e psicologia pela Universidade de São Paulo. Pesquisa estética e o pacto fáustico em Grande Sertão: Veredas, em perspectiva materialista. Aos dezesseis anos, representou o Brasil em Olimpíadas Internacionais em Istambul, recebendo medalha de ouro por sua interpretação musical. Amante da lírica, de mitologias e da tradição literária, arrisca-se na forma metrificada e em versos livres.
Instagram @giancarlaceravolo
Comprar livro Enamoramento Classicista ou O Fausto Hodierno