6 poemas de Bruno Brum

 




ANÔNIMO
Onde você estava no dia onze de agosto
de mil novecentos e trinta e quatro?
No Natal de setenta e sete,
no inverno de mil duzentos e treze?
Onde você se encontrava na madrugada do
dia vinte para o próximo dia,
primeiro de janeiro do ano passado,
primavera de sessenta e nove
do século quarto?
Onde você passava quando já era tarde
e ninguém te chamava
naquela noite dos anos dourados?
Quando tudo acontecia e sumia sem
deixar rastros, por onde você andava?
 
MEU EX-CACHORRO
Meu ex-cachorro se parecia comigo.
E isso é tudo que posso dizer.
Ele se parecia comigo e eu não me
parecia com ninguém.
Ou melhor, me parecia com ele.
Durante anos fomos felizes assim.
Mais que a ração sabor galinha com
legumes,
nossa semelhança nos alimentava.
Nunca houve nada de errado nisso.
Uma dúvida sequer.
Por muito tempo essa semelhança
nos tornou um pouco melhores.
Ou simplesmente nos fez parecer
um pouco melhores, não importa.
O que importa é que meu ex-cachorro
já não se parece mais comigo.
E eu não me pareço mais com ninguém.
 
SEIS IMPROVISOS
 
1
Amanhã, ao sair de casa para o
trabalho,
pergunte à primeira mosca que encontrar
pelo caminho algo sobre a forma
e a essência das cidades decompostas.
Anote a resposta e guarde-a consigo;
poderá ser de grande serventia no futuro.
2
Esse mundo não é meu.
Esse mundo é dos anjos transformistas,
das crianças selvagens
e dos cachorros mancos.
3
Pela terceira vez tomamos o caminho
errado.
Sem alarde, redesenhamos o mapa de
forma a ajustar
nossa atual posição à rota pretendida.
4
Minhas roupas estão ficando velhas.
Meus chinelos estão ficando lentos.
Já não me lembro onde deixei meus
retratos.
5
Nenhuma rodoviária é feliz.
6
Depois de fazer sumir a plateia,
o mágico transforma a si próprio
em um grande cetáceo, se senta
à beira do palco e canta para o
auditório vazio.
Ao final, se emociona e chora.
 
FALTA
 
Demasiado humano,
viver, não é segredo,
dói, salvo engano.
A fita acaba sem aviso.
A luz apaga, cai
o pano.
O locutor engasga,
é bom ficar piano:
um soneto de Petrarca,
uma falta de Júnior Baiano.
 
 
  
FELICIDADE ALHEIA
A felicidade alheia me fere.
A felicidade alheia me oprime.
A felicidade alheia me faz pensar em
desistir.
Passo horas na internet, investigando
até onde vai a brincadeira.
Passo horas sofrendo, lendo posts e
mais posts.
Um sofrimento gostoso.
Um sofrimento justo.
Um sofrimento necessário.
Às vezes penso em jogar a toalha,
mas a felicidade alheia me redime,
a felicidade alheia me alimenta,
a felicidade alheia me salva.
Só ela pode me salvar.
Tenho raiva de tudo o que não seja a
felicidade alheia.
Tenho muita raiva.
Você não faz ideia.
 
NINGUÉM POR PERTO
Admiro as plantas que vivem neste
apartamento.
Sem água fresca, cortinas fechadas,
pouca conversa.
Respeito essas plantas: pequenas,
robustas, teimosas.
Sem ninguém por perto quando o sol
maltrata.
Pra limpar a poeira ou abrir a vidraça.
No parapeito, na cozinha, sobre a mesa
da sala.
Em silêncio, orgulhosas.
Não morreriam a troco de nada.
 
 

Ilustrações: Efe Caylak
Fotografia: Tatiana Perdigão

 
Bruno Brum nasceu em Belo Horizonte, em janeiro de 1981. É poeta e designer gráfico. Publicou os livros Mínima ideia (2004), Cada (2007), Mastodontes na sala de espera (2010) e Tudo pronto para o fim do mundo (2019, semifinalista Oceanos 2020). Idealizou e foi um dos curadores da Coleção Leve um livro, que entre 2015 e 2017 distribuiu, de forma gratuita, 180 mil livretos de mais de 70 poetas de todo o Brasil nas ruas da capital mineira. Atualmente vive em Monte Santo de Minas.

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