sobem-se as mãos quando é matinal
em turbulências
o corpo como se a luz ofendesse
silêncios na carta ainda plana
este mapa de rezas
o homem soberbo prolonga
esperar ventos para acudir o desejo
quando a noite é um outro corpo
a encarnar desertos
dialogando com a chuva
a terra se inibe
segundo as escrituras (sagradas)
pós os lábios sentam-se
à corda corrida entre a porta
na espera da eternidade
de quem nos costurou a sua imagem.
PROSTÍBULO DA FÉ
é como se o mundo estivesse a derreter igual os relógios de Salvador Dalí no quadro a persistência da memória as mãos e outros repousos procurassem suas sombras ao meio da noite não ficassem mais pelo caminho as palavras tenazes e o capim que se calcula na autópsia da fome bebesse os pés do rio e os olhos do bairro rural como se vestíssemos o vento e a máscara da cidade desurbana
CINZAS EM VENTO
Limpo a boca afiada no pano da estrada caminho ensono rogo o trauma só papel no ar como voam as pedras aquelas paredes de sangue as ruas de álcool os partos prostíbulo este pedaço de noite em lágrimas e cigarros fechados e os povos prendidos vão em gestos afogados — limpo o silêncio de todas as árvores mortas para embebedar a minha cede.
VERSOS DE UM HELICÓPTERO
o cofre de água atravessa
o norte todos os corpos meios
transparentes e transversais
bebe-se no culto
um pequeno vazo à vida
de cinderela
se o vento fosse trilhar seguro
a poesia de ferro
a cantar verde uma chuva cinza
[ não. haveria trovoadas e relâmpago prolongados
nas noites de enterro as matérias da vida
nas mãos da mente e todo lume
que o teu acender se rompe ]
SÍNDROME À METÁFORA DAS CINZAS
deixe calar os olhos
onde as crianças
alastram
as orientações
deixe o papel da praça
onde arrepiam as sandálias do mundo
os cães para não passarem sem bairros
vamos construir em volta
os semáforos vegetais para orientar
a natureza
deixe o véu
para colher as raparigas
deste infarto magro
e da chuva
como se adivinha o nascimento
DOGMAS DO LUAR
os mares não existem
são vinhos despejados no deserto
escrevem a porta
e as árvores na pele das
pedras como as chuvas de ouro
as crianças…
bebem o sangue do embondeiro
a consternar o espelho da língua
dos sabores as erosões
a lerem o preâmbulo da infância
os blocos para construir
os ventres vazios
onde os restos das aves soletram os seus voos
CADERNOS SOBRE O SANGUE
Ema Nzadi nasceu na província do Zaire, Angola. Membro do Movimento Litteragris. Escritor e pesquisador de teoria da literatura e literatura de língua portuguesa. Autor do livro de poesia Pintura dos Ecos, obra vencedora do prémio literário nacional António Jacinto 2019. Publicou em várias Coletâneas, Antologias, Revistas, jornais nacionais e a nível da CPLP.