6 poemas de Ema Nzadi

 
 
 

sobem-se as mãos quando é matinal
em turbulências
o corpo como se a luz ofendesse
silêncios na carta ainda plana

este mapa de rezas
o homem soberbo prolonga
esperar ventos para acudir o desejo

quando a noite é um outro corpo
a encarnar desertos
dialogando com a chuva
a terra se inibe
segundo as escrituras (sagradas)

pós os lábios sentam-se
à corda corrida entre a porta
na espera da eternidade
de quem nos costurou a sua imagem. 

PROSTÍBULO DA FÉ


é como se o mundo
estivesse a derreter
igual os relógios de Salvador Dalí
no quadro a persistência da memória

as mãos
e outros repousos procurassem
suas sombras            ao meio da noite

não ficassem mais pelo caminho
as palavras tenazes
e o capim que se calcula
na autópsia da fome
bebesse os pés do rio
e os olhos do bairro rural

como se vestíssemos o vento
e a máscara da cidade desurbana 

CINZAS EM VENTO


Limpo a boca afiada
no pano da estrada caminho ensono

rogo

o trauma só papel no ar
como voam as pedras
aquelas paredes de sangue
as ruas de álcool
os partos prostíbulo

este pedaço
de noite em lágrimas e cigarros
fechados
e os povos prendidos
vão em gestos afogados
— limpo o silêncio de todas as árvores mortas
para embebedar a minha cede. 

VERSOS DE UM HELICÓPTERO


 

o cofre de água atravessa

o norte todos os corpos meios

transparentes e transversais

 

bebe-se no culto

um pequeno vazo à vida

de cinderela

se o vento fosse trilhar seguro

a poesia de ferro

a cantar verde uma chuva cinza

 

[ não. haveria trovoadas e relâmpago prolongados

nas noites de enterro as matérias da vida

nas mãos da mente e todo lume

que o teu acender se rompe ] 


SÍNDROME À METÁFORA DAS CINZAS

 

deixe calar os olhos

onde as crianças

alastram

as orientações

 

deixe o papel da praça

onde arrepiam as sandálias do mundo

os cães para não passarem sem bairros

vamos construir em volta

os semáforos vegetais para orientar

a natureza

 

deixe o véu

para colher as raparigas

deste infarto magro

e da chuva

como se adivinha o nascimento 


DOGMAS DO LUAR

os mares não existem

são vinhos despejados no deserto

escrevem a porta

e as árvores na pele das

pedras como as chuvas de ouro

as crianças…

 

bebem o sangue do embondeiro

a consternar o espelho da língua

dos sabores as erosões

a lerem o preâmbulo da infância

os blocos para construir

os ventres vazios

onde os restos das aves soletram os seus voos 


CADERNOS SOBRE O SANGUE

 

Ilustrações:Search4Star

Ema Nzadi nasceu na província do Zaire, Angola. Membro do Movimento Litteragris. Escritor e pesquisador de teoria da literatura e literatura de língua portuguesa. Autor do livro de poesia Pintura dos Ecos, obra vencedora do prémio literário nacional António Jacinto 2019. Publicou em várias Coletâneas, Antologias, Revistas, jornais nacionais e a nível da CPLP.

 

 

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