6 poemas de Iolanda Costa

Estêncil

Te passei em estêncil
fiz o traço, o desenho
o decalco do teu olho a céu aberto
para a minha letra confusa
e sem cuidado.
Outubro nos comovia o coração
e, em claves de chuva fina
fiz mil cópias do teu violão.
Essa mania de afirmar o outro
com as minhas próprias mãos 
ainda me fará perder as luvas!


Xamã

Citrin é um velho xamã
que vive na Califórnia.
Ele é aturdido.
Ele escuta vozes.
Ele faz temazcal
como um guarani.

O bruxo, como a bruma
busca a luz, o fogo
a pedra ardida no meio da tenda
– seuinipe de copal e alcaçuz
sálvia e cedro
suando-lhe as evocações.

Seu chapéu é de um feltro
preto encorpado de abas longas.
As vozes violam as abas
a tuba o nervo o estribo o labirinto
de seu ouvido sobre o mundo
do zumbido do mundo em seu ouvido
do mundo zunido sob a aba.


Amarelo por dentro

A tua letra é amarela
como a nêspera, a gema
o fruto em véspera e ocre
saltando da árvore, da página
da costura no dobrado do paletó.
Devolveu-me a vida enquanto escrevias
e sublinhavas o termo, a epígrafe
a semântica clara de cuidados.
Trouxeste o castiçal, o sol
a última literatura.
O teu amarelo
a escorrer-me por dentro. 


Vigília

Havia ternura:
a cor da fruta
sombreava as palavras
o cavalo-marinho
ia de amarelo
e  sem ver
todos os nossos
braços suspensos
em tempo irregular
de afago e festa.

Então, reinventarei
por necessidade
novas guardas.

Trazes o crisântemo
aófris esquecida
e a alma
desalinha-se no leito:
minhas horas são feitas
de inseguro tear.

Antecipas o agosto
em tempo hábil
e o talha em jaspe:
a melifluidade
do amor raro
resvala sobre a pedra.
Tuas mãos cheiram
a silício e abandono.

Nenhum louva-deus
nenhuma flor imprevista
salta das letras.
De madrugada
assim tão tarde
nem as tangerinas maduram
nem o céu responde.
Sua metafísica monitora
o fólio, a promissória
e a minha poética insiste, azul
como anil dissolvido na água.
do mar

então o mar, inaê
é azulina de mágoa

salina escumada
de boca, água
de língua vega

solidão de alga
vaga, a lua
quando míngua


Azul Patente

Eis o inferno. Está posto.
O inferno e suas bonecas plásticas
figo e sicômoro.
Ah, sóror invertida nas tradições
teu cajado de voto e jura
não te guiará pelos vales!
Tua axila ferve
e linfonodos ardentes
são expostos ao Azul Patente
– o franqueado
transcorrendo-lhe a seiva
e outros líquidos.
Poesia e plasma
de asseverado anil.
O céu na veia.


maçã

poderia ser compreendida como um esboço, um nutriente. “ceci n’est pas une pomme”. um signo de amor roubado e alargado pelo estômago. nosso cipoal. magritte subvertia a forma, o risco e você estava numa conjunção netuno-plutão indissociável enquanto eu segurava as sacolas. quero-me presa às suas considerações. pode não ser uma maçã, mesmo. alhures, um famélico e intrigado fruto. casca e pecíolo.


Ilustrações:  Martina Rigoli


Iolanda Costa (Itabuna-BA), graduada em Filosofia, é arte-educadora e especialista em História Regional. Editou, artesanalmente, folhetos de poesia Às Canhas as Palavras Realizam Mil Façanhas (1990), A Óleo e Brasa (1991) e Antese (1993). Tem poemas editados em jornais, antologias, revistas impressas e eletrônicas e blogs. Participou do Livro da Tribo (2013-2018). É autora de Cinema: Sedução, Lazer e Entretenimento no Cotidiano Itabunense (2000), Poemas Sem Nenhum Cuidado (2004), Amarelo Por Dentro (2009), Filosofia Líquida (2012) e Colar de Absinto (2017). Coordena a Coleção de plaquetes Pedra Palavra (2012 -2018).

Respostas de 2

  1. Poesias de uma beleza melancólica, sensibilidade madura, versos impregnados de criatividade; onde esse poço profundo, mas de águas cristalinas, cuja melodia enternece os sentidos?

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