algoz
à noite, viro outra
crescem-me os olhos e os ouvidos
apuro bem o espírito
e os dedos esticam
então, visto a pele curtida
e vou perseguir palavras.
colheita
apanho à noite palavras maduras
e guardo para o poema
que vem com fome
espreitar o que sinto
colho palavras simples
como se eu fosse camponesa
colhendo frutas nativas
que se come aos montes na bacia
pego cada uma e aprecio
encho a boca de saliva
e dou-lhe uma mordida
só pra sentir o ponto
vou alegre e trêmula
como se eu fosse música
sentindo o ar, a estrela, a lua
a noite e eu em um alarido de sintonias
afiando o faro, os poros, a língua.
palavra
palavra é corpo
olho
pélvis
palavra molha
ou seca
alisa
corta
palavra é átrio
miocárdio
e pulso
sangra
drena
escorre
palavra pesca neurônio
toca o tímpano
eriça os pelos
encharca os poros
palavra tem cheiro
de pele
de perfume
de suor
palavra abre a porta
acende a luz
e olha
palavra come palavra
canta palavra
planta vontade
palavra tranca palavra
trava o gesto
broxa.