6 poemas de Márcia De Conti

 
 
 
serventia
 
enterrei gritos
num terreno baldio
 
nasceu um poema enorme
onde amarro a minha rede.
 
 
notícia
 
o dia se aproxima
escuto os seus passos
é o barulho das palavras
preparando o café.
 
 
a ninhada
 
a ninhada de palavras
 não me deixa dormir
 
ser poeta é suportar
 os peitos inflamados
 
e deixar a linguagem sugar
 até sangrarem os bicos.
 
 

algoz

à noite, viro outra
crescem-me os olhos e os ouvidos
apuro bem o espírito
e os dedos esticam

então, visto a pele curtida
e vou perseguir palavras.

 
 

colheita

apanho à noite palavras maduras
e guardo para o poema
que vem com fome
espreitar o que sinto

colho palavras simples
como se eu fosse camponesa
colhendo frutas nativas
que se come aos montes na bacia

pego cada uma e aprecio
encho a boca de saliva
e dou-lhe uma mordida
só pra sentir o ponto

vou alegre e trêmula
como se eu fosse música
sentindo o ar, a estrela, a lua
a noite e eu em um alarido de sintonias
afiando o faro, os poros, a língua.

 
 

palavra

palavra é corpo
  olho 
 pélvis

palavra molha
ou seca
alisa

corta

palavra é átrio
miocárdio
e pulso

 sangra
drena
escorre

palavra pesca neurônio
toca o tímpano
eriça os pelos
encharca os poros

palavra tem cheiro
de pele
de perfume
de suor

palavra abre a porta
acende a luz
e olha

palavra come palavra
canta palavra
planta vontade

palavra tranca palavra
trava o gesto
broxa.

 
 
Ilustrações: Gina Vasquez
 
 
 
Márcia De Conti: nasceu em São Luís-Ma, em 27/04/1957, mudou-se aos 7 anos para Goiânia. Morou  em São Paulo, onde nasceram seus filhos, Pedro e Davi, retornando à Goiânia, onde nasceu Ana Elisa.  É advogada e nutricionista aposentada do Ministério da Saúde. Publicou Luar nos Porões (Piano mudo) em 2011, ganhou, em 2013, o prêmio de poesia  Hugo de Carvalho Ramos com Na Fissura do Vestido. Tem poemas publicados em vários blogues, revistas e antologias, entre elas, Sarau da Paulista (2019); As Mulheres Poetas (vol 2, virtual) e Coletânea – Homenagem ao poeta Rubens Jardim.  Entre os prêmios estão: Prêmio  Nacional de Poesia Cidade Ipatinga (2º lugar em  2007 e 2013); Poemas no Ônibus e no Trem  2007/2009/2011; Prêmio TOC 140 da Fliporto/2013.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *