Pedra de amolar assobio
como uma cutilada,
talho de faca indomesticável,
teu beijo é minha pedra de amolar assobio.
Descobrimentos
já vi de (quase) tudo na vida,
até cobra caninana
dançar coco, dançar cana,
tomando garapa.
até cobra caninana
dançar coco, dançar cana,
tomando garapa.
já a tua nudez
é sempre um mundo novo
que me desafia a explorar
as fronteiras do desconhecido.
é sempre um mundo novo
que me desafia a explorar
as fronteiras do desconhecido.
Caçambadas
diariamente,
o mundo despeja,
o mundo despeja,
sobre as camadas da nossa pele,
carradas de indelicadezas.
carradas de indelicadezas.
o abraço de quem me ama
é que me salva, anima
e derrama mucheinhas de suavidade
sobre o barro da alma.
O nariz da minha mãe sangra…
enquanto o político derrocado
posa de moralista na estação de rádio,
o nariz da minha mãe sangra.
posa de moralista na estação de rádio,
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto jogam peteca a cidade e o caos
nas fendas da ladeira vermelha do sono,
o nariz da minha mãe sangra.
nas fendas da ladeira vermelha do sono,
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto o trânsito segue áspero
e a delicadeza murcha
nas hortas e palavras (dos homens?),
o nariz da minha mãe sangra.
e a delicadeza murcha
nas hortas e palavras (dos homens?),
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto as filas não diminuem
no número de desrespeito
e o farmacêutico vende pílulas antiamor,
o nariz da minha mãe sangra.
no número de desrespeito
e o farmacêutico vende pílulas antiamor,
o nariz da minha mãe sangra.
como se falasse com Deus,
toda vez que me toma nos braços
e me embala com o curioso cântico
— tingadonga-donga-donga/
tingandanga-danga-danga —
o nariz da minha mãe
morre o sangue e vive o sonho.
toda vez que me toma nos braços
e me embala com o curioso cântico
— tingadonga-donga-donga/
tingandanga-danga-danga —
o nariz da minha mãe
morre o sangue e vive o sonho.
A terceira mão
era um menino
quando vi um homem
desferir dezessete facadas
sobre o abdômen do meu pai.
minha mãe, seminua, corria
pela Avenida Benjamin Constant
para socorrê-lo.
quadros de Chaplin,
um papai noel de brinquedo,
vaidades despedidas
na subpele do fogo.
UTI, balão de oxigênio…
meu pai recebeu nova vida.
meu pai recebeu nova vida.
alguns anos se passam
e dezessete facadas
rasgam outra vez
a pele do meu pai
na forma de uma hérnia.
quando uma lágrima quase
me escorrega o rosto,
numa cama de hospital público,
sobre as mãos unidas de pai e filho,
uma terceira mão se apresenta:
sinto o perfume da barba feita de meu pai
nos pelos e linhas da mão de Deus.
No alto da ladeira de pedra
cadeira, óculos, agulha…
no alto da ladeira de pedra,
vô Quirola remenda
as redes de pesca.
enganchos e tarrafas
do tempo, saudade é linha
que me abrange.
não me desprendo do pé
de amêndoa, campo-santo
dos meus ascendentes.
dormem aqui os peixes
nas cabaças, os pés
de puerícia, o balé
das petecas…
todos os meus cavalos
de palha.
Carvalho Junior é uma ideia concebida no coração ascendente de um índio fantasma. É o versicultor caçula da tribo dos Quirola, natural da aldeia de Caxias (MA), 1985. Publicou os livros de poemas Dança dos dísticos (Patuá, 2014) e No alto da ladeira de pedra (Patuá, 2017). Vencedor do Troféu Nauro Machado de Poesia no I Festival Maranhense de Conto e Poesia promovido pela Universidade Estadual do Maranhão. É um dos curadores do sarau/encontro de poesia Na Pele da Palavra e faz parte do coletivo de poetas Academia Fantaxma. Tem poemas publicados em jornais, antologias e revistas literárias nacionais. Mantém a página de poesia QUATETÊ.