6 poemas de Renan Chiaparini


Visão Do Estado de São Paulo aos olhos de um poeta oficialmente em guerra contra o noroeste paulista e suas pessoas [uma ode a Roberto Piva] (2017)
Vejo placas tomando alucinógenos as duas da manhã e se desencontrando com semáforos, enquanto mendigos gozam no escapamento dos carros de uma concessionária da avenida capitalismo, no cruzamento com a rua consumismo em plena segunda feira.
Cérebros urram um fedor latente e pessoas pavimentam suas glandulas sudoríparas, acalentando seus órgãos e manobrando contra buracos das ruas de sua cidade
Capivaras entram em coito célere com QuerosQueros, e Bugios barbudos correm junto com Siriemas, aclamando por um Deus inexistente, enquanto pombos cagam dentro da boca de pessoas nos condôminios fechados e arredores da Capital.
Grupos de minorias oprimidas cultuam Hitler durante uma sessão de tatuagem, em que a suástica era pintada dentro dos olhos de cada um, enquanto um Exu disputa uma rinha poética com um arcanjo qualquer. Ninguém sabe quem mente mais….
Padres entregam ostias para ateus em botecos, Na ânsia de comer alguém, ou um churrasquinho grego, depois do expediente, e esperam para assistir a sina dos zumbis, que já haviam saído dos trabalhos e estavam sedentos para viver uma história de amor.
Amigos apunhalam uma psicopatia na mão direita, com um sorriso na mão esquerda, gargalhando facas e rifles ao som de cordéis encantados e Alceu Valença em uma noite de domingo, esperando por um sexo tântrico utópico
Bêbados entram em carros de ricos, e vomitam fé em seus testículos na madrugada da zona periférica, onde todas as ruas se encontram na casa de um prefeito que mistura Uísque com tarjas pretas toda noite, assistindo ao padecer de sua esposa, e aos sexos matinais de seus filhos.
Policiais enfiam estátuas tombadas como patrimônio público em seus anus, gemendo, e gritando por amor ao estado e a pátria, e crianças cheiram cola e se masturbam em cima do hino nacional
Vejo brancos (e vejam, não é preciso fazer uma analogia surreal para entender a podridão de um homem branco, a palavra branco pra mim já é tão podre por si só, que minha mente nunca conseguirá alcançar o ápice poético), sendo brancos.
Professores acentuam o ódio entre as classes e procuram a semântica lírica do Breton, formando Médicos que andam com carros importados, jogando pedaços de esperanças no chão no intuito de um lixeiro qualquer achar e levar tudo ao centro de reciclagens.
Entre as vielas de meu tênis já
gasto, corro a procura por paz
para meu ventrículo esquerdo
e óbvio que nem em 95 crepusculos
136 punhetas
232 ressacas
Encontrarei menos ódio
E eu quero mesmo é que se foda
Eu tampouco quero encontrar algo
Eu só quero que um dia
Alguém ria em meu túmulo enquanto eu rio de tudo e todos
Desejando que suas vidas rasas
Encontre amor próprio em
Um Deus Hindú
qualquer


***

Quando eu
não puder
mais percorrer
sobre sua calçada
lhe peço com carinho
para que
cante um cartola
sobre minhas vísceras e
coma meus tornozelos
e goze em meu tédio mas vá com
calma pois eu mesmo morto
tenho muito a lhe ensinar meu bem,
em meu peito bate um Maverick 76 que rosna
óleo por todos os cantos e é um Ma-
verick que faz vrummmmvrummmmm
e pode te conquistar um dia pois eu sou um
vintagelike a pao com manteiga em qualquer
padaria/bar/almoço que se pode garantir em
uma cantina/bistrô/boteco de sampa então
vá pode ir, mas vá com calma
pois eu ainda não lhe ensinei
nada que a estética dessa poesia
pode te ensinar porque essa vida
é tão dificil e eu já
desisti sabe? Eu desisto! Parei de fazer
poesias lacradoras por você e por
todo mundo e agora respeito cada
palavra e cada meleca que a gente
escarra é um poema a mais nesse
mundi-nhoc! Nhoc! Nhoc! Hummm, que gos
toso que é comer você! Mas vá com
calma, pega leve nesse beck ai senhorita, porque
a gente já bebeu demais por hoje, e como te
levo nos cânions da serra da canastra nesse estado?
Tá ok, eu sei que você não
Quer ir, mas quando você quer
Algo? Eu sempre tenho que decidir
Sobre tudo, qual a mortadela, qual
A melhor geléia, tumulo ou cremató-
rio, assim a gente fica
tão des-igual aquele dia lá
que dormíamos sobre as pálpebras de Zeus
enquanto ele queimava hades nos mármores
do inferno, e ficávamos lá sambando nos telha-
dos do mundo, mundo esse que
convenhamos né, é tão pequeno
perto da gente, mas vá com calma
muita calma, porque desse micro
mundo já adoeci várias vezes
e não quero o mesmo
começo pra você.
Te amo sabe, por isso vou esconder
Seus ossos em meu jardim, vou ronronar
Dentro do seu peito e muitas vezes que você
Disser sim meu não vai dilacerar sua porta
E queimar seus olhos castanhos/invejinha boa
E talvez por isso posso ser aquele homem
/
Pai que sempre diz: poxa, legal isso
aí meu amor
Mas tenha cautela, vá com
calma, vá, pode
ir, mas vá com
calma

***

No meu peito cabe vo-
cê no meio fio
Do asco de minha
Navalha cabe nós em
Bambolês
Do feno sai o meu peito, sai mais, do
Feno eu venho inteiro
Da minha navalha sai um ônibus
Lotado do terminal
Dos bambolês não saem
Nada mesmo

Vocês cantam
Trabalham
Jogam
Assistem
E eu ludibrio
Estamos todos
Em velas navegando
Navegando
E puxando e inspirando
Esse mormaço que arde
Os rins
E fere meus joelhos
Após andar pelos pétitpavé
De São Paulo sem bússola
Rumo ao norte da cidade porque
Lá tem um
Bar que cheira a cola
E vende litrões a preço
Justo.
Minha querida,
Hoje tive uma conversa
Com seu vibrador e ele me disse:
“Faça alguma
coisa, eu ando
trabalhando demais, eu não aguento mais!” E eu
Vou fazer o que? Se sua
Mão não te leva
Aos céus, o que um
Órgão masculino
Com ramificações
Venosas errôneas
Pode fazer por você?
Essas mulheres precisam
Amar muito esse homens
Que acham que seu pinto
Pode construir a asa leste
De Brasília. Pintos são an-
exos de corpos, são erros
Divinos, Deus fez o penis
Pra provar que ele é um ser
humano e deve ter um Deus
Maior que ele mandando nele
E esse sim deve ser um Deus
Da verdade que não faz penis
Parem de buscar a verdade
alem da poesia
A verdade está nas letras
Bem utilizadas
E na trigono-
metria
A verdade é um
Aquém de algo a mais

E eu só preciso me em-bebedar
Na esquina exata da área
De um triângulo retângulo



Sabe aqueles dias em que
Toda sua vida passa
Sobre a porta de seus olhos
Pois uma bala perdida estraçalhou
O vidro do seu carro
E rasgou seu epitélio
E agora vc é apenas um
Homem com um furo
De bala
Que jorra
seu sangue
Seus Preconceitos
Suas melancolias baratas
Sua virilidade conquistada
E nada mais faz sentido e sua
Vida e morte
Esta separada por um fio dental
E sua vida fica com
Um gosto de cigarro
Mentolado
E você se depara com
Um arcanjo e ele
Diz – e aí, vamos? E vc
Diz – pra onde – e ele
Diz não sei, e aí vc não quer
Ir porque a gente nunca
Sabe o que nos espera
Do outro lado e essa tensão
Toda te da um tesao danado e
Pela primeira vez na vida você
Quer viver
Você simplesmente quer
Viver
Sabe aqueles dias que você está
Percorrendo a 80 por hora
Nas veias intravenosas de sua
Cidade enquanto as luzes passam
Por você como vaga lumes
E você se perde entre elas
E as olha percorrendo por todo
O céu e aí você levanta voo
Virando pra direita
Pra esquerda
Seguindo as luzes e então
Vc se perde de sua casa
E vai parar
Na década de 60
Quando a poesia
Era mais verdadeira e
Os amores
Eram gentis
E menos complexos
E você pode
Usar uma calça
Boca
De
Sino e sai por aí
Jogando Molotov
Na polícia
E pedindo o fim da
Ditadura no meio daquele
Monte de loucos que
Nem sabe porque
Estão lá e ninguém
Sabe porque tá apanhando
Nem a polícia sabe porque
Tá batendo e aí você percebe
Que o tempo na verdade
Não existe e que a vida
E um brinquedo que não
Para de
Dar looping e toda
Porra de dia
É a mesma coisa
É todo mundo
Pedindo direitos
E direitos
E cadê o seu direito?
E então você pede
O seu e tudo vira
Uma bagunça enquanto
Tem gente que nem tem o
Que comer e nem tem como pedir
Direito nenhum e aí você conclui que Niestche era um bobalhão
Rico mas pelo menos
Ele tinha tempo de pensar
E você nem tem tempo de pensar
E quando você volta em si
Depois do acido que você engoliu
Inteiro
Você fala – meus deus, o que foi isso?!
Sabe aqueles dias que você é uma raiz e vc se olha e fala – eu sou uma raiz – e aí você dilacera o chão
Com suas patas e vai buscando os gostos de cada pedra
De cada lugar
De cada terra maldita onde alguém
Já pisou e nada mais
Na sua
Vida tem sentido
E você não faz mais sentido
Pois você percebe que você
É apenas
Uma raiz de árvore.
E aqueles dias em que o sol arrebenta
Sua pele
E arranca seus líquidos
E você tá todo engomadinho pra ir
Pra uma reunião e aí você se
Olha e percebe que
Seria melhor cheirar uma
Bala e tomar uísque
Do que ir pra um lugar em
Que todos lá estão igual
A você e querem
Ganhar dinheiro
Para comprar um papel
Higiênico preto porque
É mais chique e aí terão
A desculpa de poder sair
De cu sujo por aí porque é
Difícil diferenciar a sujeira em
Um papel higiênico preto mas
É chique demais e você lembra que
Uma galera pensou em como fazer
Um papel higiênico chique
Pra pessoas ricas e tiveram
A brilhante ideia de fazer ele
Na cor preta e aí você pensa “então
Que se foda, eu não vou gastar
Meu terno pra ir fazer reunião
Porra nenhuma eu vou é
Cheirar em cima de um
Livro de poesia do Rogério Skylab” e seu dia termina
Lindo
Como uma rosa que secreta
Sebo de suas
Glândulas sebáceas pra ficar bem
Feia e ninguém corta-la para fazê-la de presente pra algum namoro
Escroto
Por aí
E ela fica plena, durante toda a primavera
Assim como você
Pleno, cheirando sua
Bala.
Eu gosto desses dias
E por isso
Eu metralho palavras
Todas elas
Sem um ritmo preciso
E vou jogando-as
Tentando explicar aqueles dias
Fodasticos e Bons pra caralho
Em que você se sente um rei
Porque sei lá comeu alguém
Ou se sentiu vivo por algo
Mundano e decidiu que
Não precisa ser um alquimista
Precisa só viver e então você
Liga pro seu psiquiatra e diz:
“Doutor, cancela a lobotomia, quem precisa
Dela é o mundo e
Não
Eu”

***

Cartoesia para moça
Desculpa moça eu preciso desmarcar com
voce por-
que a coisa enfeiou
pra mim você acredita
que eu fui sacar dinheiro e
a maquina do caixa
me disse “você tem um tempinho pra
conversar comigo, eu não tô bem, eu ando vomi-
tando problemas demais
pros outro eeeeeeee
enfim, você tem
um tempinho?” e depois cruzei o semáforo
pela faixa de pedestres
e ela era
azul vinil então voltei
pra casa porque percebi
que algo estava errado comigo e
lembrei o
tanto que cheirei bala
ontem porque teve uma festa e ahhh, como
tudo tava muito ruim, nada anda muito
bom pra mim moça sabe eu ando conivente
demais com minhas melancolias e preciso
voltar a malhar e acordar cedo e tentar
vender meu livro de poesia que tem
uma capa horrivel mas eu preciso comer fazer o que? e
outra como manter a sanidade assim poxa
eu sei que você é linda mas
to agoniado sabe, minha resiliencia anda
afetada por coisas
tão banais, e do nada me vem uma nóia louca
de que você não me ama
mais e é foda então prefiro guardar minhas
traças dentro da boca mesmo
porque eu queria jogar basquete com o mundo
e enfiar ele dentro de uma
cesta de lixo entende? e tudo
acaba nos afetando moça e assim
desculpa mesmo mas eu nao vou poder
sair com
você hoje preciso
por as coisas em dia
e deixar minha vida sair do
luto um pouco eu precisava
te falar tudo isso moça, eu te amo
sabe eu confio em você e eu tenho
tantas saudades do seu sexo mas na
hora eu to tão cheio porque a gente ama
comer e beber e fumar pra caralho e
ahhh como é bom fazer tudo isso com você
moça como a gente bóia entre os lixos dessa
cidade moça. Um dia eu vi uma
história da lua sabe, ela se apaixonou pelo
sol e o contraste de quando eles
se beijavam era maravilhoso eu sei porque
o escritor que escre-
veu era tão foda e poxa moça, eu lembro
tanto da gente nessa história e ai eu chego
na conclusão de que o nosso beijo é
igual as rimas da Gilka Machado e ai eu
lembro que ela poderia
transar com a gente né, recitando aquela
poesia que ela fez pras linguas
se beijando mas enfim moça, me perdoa
hoje eu naoto bem preciso ficar quetinho
mostrando meus olhos
pras folhas de algum livro
e pensando se um dia
eu nao vou mendigar dinheiro
por ai mas por você
eu medigaria até um bi-trem
porque eu
te
amo
beijos assinado
eu



Nasceu um abaca-
teiro entre seus 
dedos sua linda e eu fui lá conferir
e reviver nossa infancia
alegórica
lembrar de quan-
do eu dizia que você era bela
e lhe faltava os dentes das presas
pois você os enterrou em
meu seio 
dos olhos enquanto estavamos no segundo
prédio mais alto daquela cidade fina
de duas avenidas apenas e eu tenho sau-
dade daquela época porque naquela época
eu nao via o concurso de miss e nem sabia
que pessoas se duelavam por
musica e todas as crianças eram bonitas
todas elas sem excessão e eramos 
um processo de tudo porque tudo pesava 
em meus ombros e eu gostava de todas as
musicas e lia sobre tudo sem preconceito
ah que época maravilhosa moça! ah que época formo-
sa moça! em que
eu vivia
sem saber
de muita coisa

***

Há coisas na vida que eu queria poder lembrar
De quando eu uivava sobre as quadras da noite
E ladrava nas caladas das sombras dos postes
Queria lembrar do meu avô
Encoxando minha vó na pia
Naquele domingo matutino
Enquanto na vitrola tocava “o meu sangue ferve
Por você,” ou
Quando minha avó chorava lavando louça e cantando:
“Mas olha que eu não sou boba,
por trás desta pele de gata
eu escondo uma loba.”
Lembrar das minhas pálpebras se fechando com suas curvas
Delineadas em meu pensamento
Lembrar da criança que eu nunca tive
Do sonho amordaçado nas entranhas de um advogado
Engenheiro
Drogado
Da chuva que escorraça o vidro da janela
Do café que queima teu dedo
Da tua alma que mancha meu medo
Gostaria de recordar dos cheiros das estações rodoviárias
Do êxodo das aranhas de meu teto
De ouvir meus pais rachando a parede do quarto com a cama
Mas não consigo
Não tenho sequer um fiapo de lembrança
Pois nas minhas entranhas
Só estão cigarros
Perfilados
Perfazendo
A apalavra
Saudade.


Ilustrações: Gilad Benari


Renan Chiaparini tem 28 anos é poeta cronista e romancista, gosta de discussões banais e de entrevistar pessoas cujos corações estão estilhaçados. Tem poesias e contos publicados em inúmeras revistas e está prestes a lançar seu mais novo romance Dentre todas as pessoas, eu prefiro as putas.
 

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