
Créditos: A “briga” entre Lobo Antunes e Saramago « Blogue Literário do Porto
Leitor, não vou, é óbvio, mencionar conversas íntimas sobre o que me dizem acerca de autores, nacionais ou estrangeiros. Principalmente, hoje, um domingo de sol ameno que dá vontade de sair de casa a esmo até procurar, em vão, encontrar aquilo que chamam de felicidade na terra.
Já vi muita gente culta que acha chato até Machado de Assis. Encontra erros em passagens de grandes autores europeus, por exemplo, Honoré de Balzac, e além disso, não gosta de poesia moderna. Prefere os românticos, os parnasianos, os clássicos antigos, latinos ou gregos. Enquanto outros me dizem que Paulo Coelho tem algum mérito. Fico confuso, embaraçado e nem me dou ao trabalho de lhes fazer um censura e mostrar-lhes que estão errados e que nada entendem da grande literatura.
Uma vez, uma colega, estudante de mestrado, me confessou que já estava cansada de analisar Carlos Drummond de Andrade. “Chega de Drummond” – resmungou ela. Outros ainda reclamam de um escritor porque, segundo eles, só escrevem cenas indecentes, coprológicas. Outros há que detestam um autor por motivos religiosos. De James Joyce dizem que nada entendem. Atacam Tolstói, Gorki, Dostoiévski por uma ou outra razão. Outros tampouco gostam de Casanova, de André Villon, de Rabelais. Mas é difícil falarem mal de Cervantes, de Shakespeare. Também seria demais. Enfatizo, leitor, que estou aqui falando de opiniões subjetivas de escritores e de intelectuais.
Um professor universitário desdenhou do grande contista João Antônio e soltou essa bobagem: “Por que não escolheu um tema de Machado de Assis? Ele, sim, é escritor.” Esse professor era o mesmo que nunca leu Graça Aranha e seguramente não iria ler. O motivo? Não sei.
Como vê, leitor, gosto, a princípio, não se discute em matéria de tudo, inclusive de literatura. Assim, se fica sabendo de que, em conversas informais, não faltam subjetividades grosserias dirigidas a uma grande autor e a uma grande obra. De uma tacada só, lá se vai a reputação de um escritor famoso, cuja avaliação, movida pela irracionalidade, mera ignorância ou soberba pretende (não o conseguirá jamais) destruir um gigante da literatura universal. Desprestigiar um autor é fácil e é covardia, particularmente quando já é falecido.
O pior ainda é que falam até mal de escritores que nunca leram! É verdade. Nunca leram nem lerão. E não falo de leitor comum, mas de leitor letrado, especializado em literatura.
Digo e repito incansavelmente que a literatura, por ser arte maior, é coisa séria, que merece respeito e não algo que, subjetivamente, imbecilmente, se possa discutir ferindo injustamente nomes de méritos da produção literária em todos os gêneros.
Eis por que se deve ser cauteloso e prudente quando expressamos alguma ideia envolvendo juízos críticos apressados ou sem embasamento sólido no que tange ao valor maior ou menor de um escritor.
De improvisação não se faz crítica nem se produz uma obra literária, uma vez que toda obra de arte pressupõe um conhecimento prévio que se situaria no que se denomina tradição literária, na formação dos grandes cânones do Ocidente – base e até, de certo modo, inspiração responsável por aquele princípio formulado por Harold Bloom, que é “a angústia da influência,” angústia sofrida por um poeta novo em relação a um poeta predecessor.
Imaginar um escritor, poeta ou ficcionista, que não se tenha mais nada a escrever em literatura é doloroso, sim, mas é também fator, segundo Bloom, de renovação, ou como ele afirma, sem esse voluntário revisionismo,” “desleituras,” “desaprisionamentos,” reação “deliberada” e “perversa,” “distorcida,” de “caricatura de auto-salvação” não se teria o surgimento da poesia moderna (apud GRAY, Martin, Dictionary of literary terms. London: Longmans York Press, 2nd revised edition, third impression, 1994, p.28).
Por conseguinte, deve-se pensar, pelo menos, duas vezes antes de se julgar aleatoriamente um autor, uma obra. E a advertência serve para nós todos que lidamos com o fenômeno literário e com estudos literários. Ser leviano e ligeiro nos julgamentos inconsistentes de obras alheias é um desserviço palmar que se comete com o criador e a criação literária.
Ao contrário, deve-se ter, como em qualquer campo de estudos, uma espécie de “educação para a literatura,” i.e., ser elemento agregador, responsável, ético e não se esquecendo de que até pelos escritores que, em língua inglesa, são chamados de minor writers, devemos ter nosso apreço.
Já disse alguém que a literatura não se constrói apenas de gênios, mas de pequenos e medianos autores, e é essa mediania que consegue levar adiante a permanência, no presente e no futuro, da história literária de qualquer país.
E, finalmente, ainda tenho algo a considerar. Por razões ideológicos ou políticas, autores há que descartam algumas obras por elas não se afinarem com a sua posição religiosa ou filosófica ou porque não são obras edificantes. Recordo-me de uma artigo de Tristão de Athayde que ponderava que a literatura não é moral, nem imoral, mas amoral. A obra literária, assim como as artes em geral, não têm compromisso com a realidade empírica. Ela é construção da imaginação, da linguagem, de um estilo, de um objeto criado pelo artista livre e esteticamente concebido, de um mundo possível, não um arremedo da vida em si.
O que um personagem, num romance, por exemplo, declara pensa ou faz, não deve se confundir com uma pessoa de carne e osso. Ele é uma construção discursiva da linguagem com o seu mundo próprio, específico, sua autonomia estética, autotélica, um mundo à parte.
Patrulhar as concepções de um personagem não passa de uma perspectiva distorcida e ignorante do leitor e das instituições sociais. Vários escritores, no pais e no exterior, foram injustamente processados pela Justiça porque se confundiu e ainda se confunde muitas vezes persona, personagem inventado, ser fictício, “criação de papel,” com indivíduos da sociedade que se viram retratados ou criticados no imaginário de uma obra literária. Nada tão longe da verdade.

Francisco da Cunha e Silva Filho é Pós-Doutor em Literatura Comparada (UFRJ) e Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira, UFRJ) e possui uma vasta experiência na literatura e na educação. Ensaísta, crítico literário, cronista, tradutor. Colaborador de jornais e revistas. Autor, dentre outros, de Da Costa e Silva: uma leitura da saudade (1996); Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação (2009); As ideias no tempo(2010) e Apenas memórias (2016). Cunha é um intelectual multifacetado, com uma vasta trajetória acadêmica e profissional, que o credencia como uma voz importante no cenário cultural brasileiro.
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e reli o seu “Gosto não se discute? Discute-se, sim”. Ensaio lúcido, elaboradamente acordado para uma pauta insistente. De fato há crítica de toda sorte a quem se compromete a fazer literatura. Desde os clássicos antigos aos contemporâneos, ninguém escapa da crítica elogiosa ou áspera. Ha alguns anos li ” Muita retórica, pouca literatura” e “Esquecidos & superestimados”, ambos de Rodrigo Gurgel. O conjunto de ensaios passeiam pelos mais diversos autores do cânone literário. Nem Machado de Assis, o unânime, é poupado de algumas pancadas de Gurgel. Acredito que todos escrevem por alguma razão. Creio também que deve cansar ser sempre bom. Quem quer ser “perfeito” ao arriscar – se à aventura da palavra? Quem planeja ser “ruim” ao publicar seus escritos? Vem – nos, vale anexar , a turma de James Joyce e Dostoiévski, de Paulo Leminski e Paulo Coelho, dos “superestimados” e dos “esquecidos” e dos sequer lembrados. À margem dos “incontestes” e dos “questionáveis” pela crítica especializada, há aqueles que escrevem sem pensar, sem esperar por frutos, sem a vaidade tão clara na maioria de nossos contemporâneos lutando por engajamento. Isto é, por visibilidade tendo como ferramenta sua literatura, e se não fosse esta ferramenta seria outra qualquer. E eis nosso tempo: quase todos planejando “vencer na vida” através da literatura. Se quem é visto não é lembrado, pensemos nos grandes nomes que morreram sem nenhum sucesso, como Emily Dickson. Mas então, a fama lhe traria necessariamente felicidade? Imagino que o prazer está no momento da escrita. E por que hoje seria diferente ?… Na melhor das hipóteses, “unir o útil ao agradável” no mesmo sistema de concorrência de mercado. Pensemos em quem escreve do outro lado da cidade e nem publica. Quantos ganhamos? Quantos perdemos? Já eu sou de poucos nomes, indiferente a uma construção biográfica. Já eu me apego aos poucos de cabeceira. Como divulgador dos contemporâneos, leio diariamente de forma atenta, porém avulsa. Acrescento que detesto a pergunta: “Que autores te influenciam?”. Acredito nos viscerais, aqueles de dentro para fora; não de fora para dentro, repetindo aqui a legitimidade do evangelho. E me anima mesmo o espírito os que verdadeiramente escrevem para viver ( sim, eles existem!). Cunha, lembra bem que a literatura não é feita só de gênios. Como editor de um site de literatura, não acrescento nem subtraío nada de seu ensaio! A crítica acerta e erra, o tempo é sempre nosso aliado. Para mim, acertar e errar é onde habita o humano e só do humano sai a literatura. Por enquanto, que o verbo se faça carne e habite por entre fariseismos e apostolados.
NÃO QUERO AFIRMAR O QUE JÁ O FIZ ANTEIORMENTE SOBRE O ESCRITOR AINDA MOÇO, GEOVANE MONTEIRO. ESTIMEI MUITO O SEU COMENTÁRIO, NO QUAL O QUE SE OBSERVA, COM CRITÉRIO, É A SUA CORAGEM DE SABER AFIRMAR AQUILO QUE PENSA POR SUA CABEÇA E SEM TER RECEIO DE CRÍTICAS ELOGIOSSA OU DEMOLIDORAS. ESTAMOS ASSISTINDO AO SURGIMENTO DE UM ESCRITOR DE TALENTO E DE UM ENSAÍSTA IGULMENTE DE MÉRITO . NASCIDO NO PIAUÍ E PARA QUEM FAÇO VOTOS DE SUCESSOS NA PRODUÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA. TIVE O PRAZER DE ESCREVER – REPITO -,. UM ENSAIO QUE TAMBÉM PUNLIQUEI NA REVISTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA (ABRAFIL). ACERCA DO SEU LIVRO DE CONTOS “PARADEIRO”. IREI TAMBÉM PUBLICÁ-LO NA REVISTA ROMENA “ORIZONT LITERAR CONTEMPORAN”(OLC). O TEXTO ESTOU PREPARANDO PARA UMA VERSÃO EM FRANCÊS.
Ler o artigo do ensaísta, crítico literário, cronista, tradutor Francisco da Cunha e Silva Filho foi, para mim, satisfação imensa. Motivo? Admoestação aplicada com elegância, propriedade, fundamento. Gosto é o que mais se discute. Gosto é o que mais se manifesta. Seja de maneira abalizada, seja de maneira irresponsável, sem devidas referências.
Silva Filho, qual Émile Zola, aponta e acusa aos que condenam obra e autor levados pela desrazão, pela nebuloso percepção ideológica.
Literatura é produção material, humana. Exige conhecimento e método. Tanto no que tange ao ato de escrever, quanto no exercício de ler.
Eis um artigo para ser guardado e lido quando em vez.
ESTIMADO LÉO: SEM QUERER FAZER DESSE SITE UM MERO TRAMPOLIM DE “ELOGIOS NEM DE “RASGAÇÕES DE SEDA,” FICO PENSANDO, COM ALACRIDADE. COMO UM TEXTO FEITO, PELO MENOS, COM SERIEDADE E PENSAMENTO INDEPENDENTE, POSSA ENCONTRAR RESSONÂNCIA ENTRE COLABORADORES COMPETENTES (DESDE LOGO PUDE AVALIAR)_ DE NOSSO SITE “AMAITÊ POESIA & CIA”. MUITO ME HONRA COMO COLEGA DA VIDA LITERÁRIA E PRODUTIVA BRASILEIRA. O SEU COMENTÁRIO ME DEIXA MAIS RESPONSPSÁVEL PELO QUE AINDA POSSA ESCREVER NO MEU PAÍS COM TANTOS ÓBICES COM OS QUAIS SE DEPARAM OS INCANSÁVEIS AUTORES NACIONAIS. UM ABRAÇO.