7 poemas de Rosa Maria Mano

O CONDOR

 

Eram meus pés a alma do condor

em noite de ardência.

Ensinavam a dançar espumas e corais

e tempestades e um refrão

antigo feito o lobo da alma.

Abrigavam o coração do poema,

empelicavam sua voz,

faziam arder o livro

de betumes e gardênias

– o visgo do perfume

envolvendo o grimório.

 

Eram meus pés a alma do condor

iluminado e febril,

nu da boca pra fora,

emplumado e fértil

em si mesmo.

Em mim mesma,

o olhar do condor

Iluminava a aurora.

 

 

ALVA

 

Reconecto ao ato

Que causou o unicórnio.

Vivo entre

Paredes brancas,

Piso de transparências.

Música in natura,

Flores de alvura.

Quero estar longe

Das cruzes anônimas.

 

A misericórdia

Não alcança o óbito

Das falanges entristecidas,

Das gruas enfileiradas.

 

Parece-me que renasço.

Busco o aço

Dos dentes da Lua

Finco o dia

Na Terra,

Ainda que nua.

 

 

LUZ E CARBONO

 

A arquitetura da fé

que move

a raça,

Transborda

taças,

retrai escudos.

Fé que não se sacia,

não dorme,

Ignora os vivos,

disseca os mortos.

Não sabe

das teias,

dos muros

rompidos.

Da lama

do poço,

ancestral veio.

Dos portos,

do que a mágoa

aborta,

Da moça de branco

algodão

Que habitava

o portal.

 

Não sabe da ciranda

dos cristais, do carbono,

da luz que se insinua

no breu

e morre na verde hora,

na boca sangrada

da espécie humana.

 

 

MÍNIMO-MÚSICA

 

E dos mamilos da deusa,

o tule vermelho – ofertório.

O mínimo-música, língua de cobre atravessando as veias

feito sangue ancestral.

Bailarina, lua-de-sangue,

em sapatilhas de leite, dança

para o meu demônio predileto.

Espelho, neurônio, vela,

eu te interpreto para além do belo.

Pergaminho das esferas,

soneto pulsando o hálito de deus,

veste meus olhos com a fúria de Marte.

 

SARS

 

Fez-se o monturo de ossos

Sob o parapeito

Da Arcádia.

A neblina, adensada

Pelo hausto dos ancestrais,

Sopra cogumelos

E cancros volumosos.

Leitosas catedrais

Espumam urzes e urtigas.

Encrustadas na escarpas

De gesso e cola,

As ossadas sonham vinícolas

E olivares,

Estiradas ao sol da memória.

 

Uma flor e um espasmo

Brotam do côncavo

Dos olhos.

 

 

Semi-Breve

 

Estava sujo o marfim

Da última vez que o vi

Um corte e as margens

Eram sangue

Onde viviam

O pré-bicho e a larva,

Um deus de olhos vazados

Suportava a obra,

Abria os flancos,

Brancos,

Aquáticos de nada.

 

Se o caminho perde

Seu próprio percurso

E a fome peca por gula

Nos ladeados ressequidos.

 

Se o relógio-náufrago

E a bússola perderam

Velas e cursos

Para a criança-minotauro

Que viria redimir o homem,

 

Se o ponto de partida

Nasce indiferente,

Astroso, mísero entorno

– cego para hora…

O termo, os ossos

Sob a lápide…

 

Quão indiferentes

Serão os que têm carne?

Quão distantes

O fôlego da prece?

Quanto de cegueira

embrutece

Por trás das cenizas

E das neves?

 

 

Clave de Sol

 

Em debandada,
as pétalas ex-brancas,
as cortinas, os lençóis
postos a quarar.
Anil e sol
expurgando a semana,
o susto, o gosto,
o fantasma exposto
pela transversal fratura
Anônima, reparto
flores de Espanha
e do Cabo
com o espectro
(ínfima fagulha),
rastros sob os meus
na velha casa da Vila.
Ainda sobrevivem
as memórias calosas
sob o sol de extinto maio.
Fervem a esperança
e o zelo em calda
dos sessenta,
as febres e raízes
dos setenta
ao som de solos
em sol.

 

Ilustrações: Ronald Ong

Rosa Maria Mano: nascida em São Paulo, onde vivi até os quarenta e um anos, com breve intervalo de cinco anos de residência na cidade do Rio de Janeiro, vivendo hoje à beira-mar, na cidade de Rio das Ostras, Rio de Janeiro.

Atividades como escritora: A primeira publicação, em São Paulo, uma coletânea de poemas sob o título Fruto Mulher, do qual participaram Mara Magaña, Maria Elizabeth Cândio, Maitê do Prado, entre outras. Em 1983, Xamã, primeiro livro de poesias, individual. Com capa de Elifas Andreato e prefácio de Antonio Houaiss. Participação na coleção Passe Livre, da Cia. Ed. Nacional, com o título Três Marias e um Cometa. Desta coleção participaram nomes como Pedro Bloch, Helena Silveira, Josué Guimarães, Fausto Wolff, Moacir Scliar, entre outros.

O Gato, Conto , 1998, D.O. Leitura, São Paulo.

Coletânea
Prêmio SESC de Poesia
,
2000, Editado pelo SESC, Rio de Janeiro

Vento na
Saia
, poesia, 2015, eBook Amazon/Kindle

Manuscritos
de Areia
, 2017, poesia,
pela Coleção Marianas, Ed. Marianas Edições/Bolsa Livro, Curitiba

Lábios-Mariposa, poesia, 2017, pela Singularidade Editora,
Curitiba

Coletânea II
Conexões Atlânticas
Brasil-Portugal,
poesia, 2018, julho, Lisboa, Portugal, Lisboa

Antologia
Feira do Poeta, Conexão IV,
poesia,
2018, Nogue Editora, Curitiba

Antologia
Comemorativa Dia Internacional da Mulher – Mulherio das Letras Portugal,
poesia, 2019, In-Finita Ed.,  Lisboa

O Lume e a
Fábula,
poesia, eBook
2021, Ed. Marianas/Amazon

Participações

Premiada no Concurso de Poesia do SESC, Rio de
Janeiro, 1999, tendo A Lua Negra em primeiro lugar na
fase municipal (Teresópolis) e segundo na premiação final, na cidade do Rio de
Janeiro. Ainda, segundo lugar em Teresópolis com Re(s)cendência, no mesmo
concurso.

Vencedora do I
Concurso de Escrita Criativa, nas três categorias, Editora LiberUm, 2016

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