
Natal. Os amigos chegam de longe, ainda que a distância já tivesse conhecido dias mais prósperos. As relações tornaram-se viscosas, elásticos que conseguem contornar o planeta sem se partirem, esticados entre compromissos, afetos e fusos horários.
Não há localidade: estamos todos juntos, o mundo inteiro concentrado num paralelepípedo com quatro polegadas de comprimento, espelho negro onde amigos e familiares emergem e submergem ao longo do dia.
Li algures que vivemos numa realidade quase sem cheiro, nem palato. Quando, porém, pegamos no telemóvel e encomendamos iguarias da Ásia, aromas e temperos tocam-nos à porta de capacete e mochila, como se um homem-bala ali chegasse, disparado por um canhão longínquo.
Lisboa, 23 de dezembro de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.