ÁS SEM ESPADA: JANDIRA ZANCHI

Ilustração: Oana Stoian
 
 

Algumas ambições podem ser tardias, desconexas, ainda quando essa é uma ambição de liberdade, de vento, de grito, de experimentação. Nenhum ser humano descola de si antes de estar em si. Por isso a frustração, o ódio, a fúria das pequenas vilezas, das pedras raladas e comidas com dor, entulhos mal digeridos em manhãs frias, em sextas feiras de céu nublado, em pequenas cidades de muros farpados, colônias e coifas e… por isso?

Que ninguém lhe perguntasse. Cada pergunta, cada senão, cada pequeno e lascado parênteses à sua vontade… gritos, guturais de firme impacto, métricos e retos monossílabos sem sentido. Era ímpia, dizia, feroz, sonhava, pioneira, e aí, talvez, delirasse. Sua bandeira nas capitais, o everest de suas vontades, a malícia de suas percepções, pois, bruta, era audaz e odiava, um ódio corrente e lascado nos anos enfiados nas cartilhas daquelas crianças, em vozes aonde nunca se reconheceu, em rituais aonde não se espelhava.

Uma revolta que nem seus netos, nem os insetos da orla ou a campana da memória sossegavam. O idealismo, o horizonte, medianos e modismos… existiam? Cortaria os ares com questões e… eram essas as questões, trinta anos depois? Eram essas as questões nos seus 20 anos ou, então, já seriam outras? Rude, talvez rudimentar. O coração, algumas vezes, ditado pelas nascentes de suas auroras frígidas, o rosto magro porcelana, lívido, os olhos doces ou ávidos, escorrera poemas de longas latitudes, dessas de virgens matadoras, percebedoras das valentes arestas, frestas de alma, componentes de hóstias, ausência de vida, prazeres morridos e negados a todas as mulheres, as credoras do cristo de todos, dos tolos e dos ávidos, essas mulheres de penhora e silêncio, essas mulheres nas quais não se aprofundara… o gelo de seu coração era um não de espadas (ou às espadas), mas, esses visíveis louros que cravados nas noites sem auroras, no banco de seus velórios, não, esses, não a sustentavam. Podiam ser seus e podiam ser belos, mas ali, inteiro, no coração de valquíria, os 20 anos.

Seus horizontes, suas fontes, ainda que retilíneas, ainda que mortíferas e cruas da sagacidade de festas ou derrotas, em cenários de iguais ou de opositores,  deflagrados no tamanho da curva do solo, visão e a exaltação, ascetismo, raiva, sua estrela cuspida do ranço daquela gente, tão chucra quanto ela, quase animais do solo, da resistência. Mas, era uma estrela, defasada, porém, inteira, a crua virgem levantada aos céus dos meliantes da poesia.

 E então se perdera. O cru de sua alma e a poeira de seus sonhos apagaram a maturidade, rígida, mas, sábia de seus cantos. Vomitou a todos e a tudo, desfazendo e empobrecendo o além ser, pois o alcançara, ainda que no chão, ainda que no ódio do anjo e do arauto, sim, alcançara.

As sombras da vida seguem eretas, espumadas e tremidas no contratempo. Conhecem o pó, o assento dos fracos, que bravios, lançarão o fogo ao fátuo e ao desprovido de sentido. Encurvados louvarão a si, aos vultos, aos mitos de um tempo que se encerra. Mas seguirão, porque os gritos, as lágrimas e os perdões povoam o ar rarefeito todos os dias. E se calam, e se perdem naquele baixar de olhos dos que não perceberam a tempo ou se deixaram levar.

JANDIRA ZANCHI

 

 

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