Vida de poeta
Quando nasci um anjo estranho
Sussurrou aos meus ouvidos:
Você nunca saberá o que quer da vida
Amará muito e não se sentirá suficientemente amado
Terá muitos sonhos, mas poucos realizados…
O mundo será pequeno para seus olhos
Sentirá o peso do tempo
Seu coração é lento e eterno
Irão feri-lo as horas passadas…
A lembrança será em sua alma uma lança
Viverá a saudade das navegações que ainda não aportaram
Portará um olhar poente
Perguntei-lhe em meus pensamentos:
Que desgraça de vida será esta?
Ele respondeu-me:
Vida de poeta!
Solidariedade poética
O poeta é um sentidor
Sente a dor sua
Tão sua que é do outro
E no sentimento sentido
Sem medo
Põe o dedo na ferida do mundo
O mundo num grão de areia
Havia um grão de menino no meio da praia
E dentro do menino havia a praia
E na praia, o vazio do mundo
E, no mundo, a miudeza de um menino
Havia na mudez do mundo o grito de todos os meninos
E no silêncio daquele menino, o ruído do mundo
E, na praia, só um menino
E, no mundo, o excesso de todos os homens
Havia sal naquele corpo de menino
Tanto sal que destemperou o mundo
E insosso o mundo ficou sem menino
E, sem aquele menino,
qual o valor de todos os homens do mundo?
O que houve com aquele menino?
Teria chorado antes de naufragar?
Teria sentido fome ou vontade de brincar?
Teria sentido a dor que deveras morre o mundo?
O que haverá no mundo sem aquele menino?
Se amar não fosse tão vazio
Se o mar não estivesse tão cheio…
Ó mundo! Tuas sobras vão para a praia
Mas tuas praias naufragaram-se naquele menino
Ó pobre menino! Em teus ombros há nossa pobreza
E dos nós que amarram o mundo,
teu corpo pequeno desatou-se na natureza do mar
Sem visto, sem dono, sem ninguém,
aquém de todos caíste em nossos braços
De olhos cerrados, com medo do mundo,
este teu corpo salgado não teve chão pra pisar
Havia um grão de menino jogado nas margens do mundo
E do olho da solidão do menino sem nome,
a solidez do mundo numa ilha
A seus náufragos ouvidos, resta-nos cantar:
Dorme em paz, ó menino,
Do sal de tantas lágrimas e de tantos outros meninos,
choramos o mar de teu sono
Pipa em céu nublado
Saudade é um fio arrebentado
Em dia de nuvens
O menino pobre
Grita
Corre
Chora
Ninguém entende
Só ele sabe
O que é ter uma pipa
Perdida em céu nublado
Ah, que saudade tenho do menino pobre
Que corria atrás da eternidade
Agora corre da “felic-idade”
Não solta pipa no céu
Pra carregar fardo na terra
Quando ficar velho
Vou querer um céu bem pequeno
O mundo é grande demais pra viver
E a gente não sabe o que faz
De tanta coisa que tem
Quando eu perder a idade
Vou querer um céu bem pequeno
Para ninguém ficar longe
Sem muito que fazer
Vamos partilhar serviços
E depois disso
Vendo o dia terminar
Poemas escrever
Porque a poesia
É ócio do eterno
E o menino pobre
Vai rasgar do tempo o véu
Soltará pipa de novo
Porque eternidade
É só pra quem já teve saudade
Sentimento nobre
de quem já esteve no céu
Da repentinidade de ser gente
De repente, aquilo que era seco começa a florir
Aquilo que era eco começa a pensar
Aquilo que não amava começa a amar
Aquilo que era morto começa a sorrir
Como não acreditar no homem?
Como não ter esperança?
Se a própria natureza nasce e renasce constantemente
De repente eu sempre sonho…
Tão pequeno que é grande
Eu tenho a pressa do vento
a calma da terra
a força da água
e a delicadeza do ar
Eu tenho a voracidade do fogo
e a oferta das flores
Eu tenho o voo dos pássaros
e o peso estático das pedras
Eu tenho abismos e planícies
Eu tenho morros íngremes e passos firmes
Eu tenho cansaços e ladeiras
que me perdem os freios
Eu tenho asas que me desfronteirizam
e casulos que me conservam atrás dos muros
Eu tenho apenas um pedaço do universo
que é pó
e no pouco que é,
sonha!
Mineiro de Poço Fundo, atualmente em Passos, Gilvair Messias habita na poesia a sua comoção pelo mundo. Desde a infância, aprendeu a sulcar o território literário com sensibilidade e profunda dor. É Graduado em Filosofia, História e Teologia. Especialista em Cultura da Comunicação (PUC-SP), também fez mestrado em Teologia Fundamental pela Pontificia Università Gregoriana de Roma e defendeu a tese: “Tudo esbarra em Deus – As contribuições da poesia de Adélia Prado para a linguagem teológica.” Gilvair compreende que fé e poesia pertencem à mesma morada dos mistérios.