(para ler ao som Secos & Molhados)
A moça, ali, no meio da sala, sentada numa cadeira de balanço, na quase manhã. A moça tem os pés descalços, ela andava descalça, não se preocupava com detalhes como sapatos, gostava do prazer de sentir e estar em contato com o solo desde criança e agora naquela casa, de frente para o mar, na qual morava não sabia desde quando, saia ao amanhecer e anoitecer, sentindo a água salgada nos pés, a areia, os seixos, as ondas…
A moça usava um vestido vaporoso, florido. Ela gostava de roupas leves, coloridas, com flores; flores nas roupas, nos cabelos, nos vasos enfeitando a casa, no jardim que cultivava, sua pequena botânica, na qual se perdia com os cheiros, cores, sons e as visões de pássaros, borboletas, lagartas e outros desconhecidos da fauna que a visitava.
A moça, na quase manhã, estava sentada naquela casa, ouvindo o barulho das ondas do mar, naquela sala aos poucos invadida pelos raios do Sol, sem saber em que ano estava, mês ou o dia. Olhava a parede na sua frente pintada de vermelho, nem sabia quando aquela parede mudara de cor, lembrava apenas de um azul pálido, como que música era aquela que tocava como uma cantilena, um mantra, desde sempre, naquela casa. Que objetos eram aqueles espalhados por poltronas e mesas e cadeiras: Lenços de seda, um guia de viagem, uma mala entreaberta, moedas estrangeiras antigas, cartas manuscritas em envelopes com bordas verde e amarelo, diários, livros, um mapa de alguma cidade desconhecida, fotos, muitas fotografias e em todas elas a moça sempre sorridente, mas não lembrava quando e nem onde foram tiradas, nem quem era o homem que aparecia em todas elas. Não lembrava ter cruzado além das pontes da cidade que morava, se é que sempre morou. Tudo era bruma para a moça.
Naquela quase manhã, pensou em olhar-se no espelho, maquiar-se, trocar o vestido florido por outro, calçar sapatos, ela que não se preocupava com esses detalhes, mas sentiu uma súbita vontade e necessidade de fazer essas coisas, como se alguém fosse adentrar a casa para tirá-la daquela letargia na qual estava inserida. Buscou as horas, mas os relógios pararam naquela sala, naquela casa. Ao longe cães latiam, no jardim pássaros cantavam, o mar a chamava.
Aquela quase manhã para a moça parecia sonho, livro, filme, coisas assim, por isso, ela não sabia se ainda existia.
Franck Santos, 50 anos, libriano, ilhado em São Luís do Maranhão, tem publicado 4 livros entre poemas, romance e prosa poética.