Homeoprático testamento do voyeur analítico dos ecos urbanos
Já assisti, ao lado da margem
Onde aves de grande porte
Bicos compridos e negros
Pernas altas e secas
Observam os jacarés das costas reluzentes
Com pingos de amarelo
Boiarem na exatidão do tempo
Como se o homem fosse, enfim
A trégua do caos
Com máscaras de carne
Eu vi, eu vi
Peixe enroscado na rede do pescador
A terra molhada tem outro sabor
O coldre do vento chamou-me
Olhei para trás
E a avenida que liga duas ilhas
Caiu sob meus pés
Todo seu ouro fermentado nos relevos da subordinação
Abutres no campo de centeio
Sentei-o
Meu desprazer em forma de mácula
Homeoprata
Que palavras foram aquelas?
Que gritadas diminuíram o corredor da morte
Muros desabados e pedras marcadas pela água
A sereia ceifoi-se
Deixando uma trilha imaginária
A quem não lhe pertencia
Fez sol hoje
E a caricatura de Deus sorriu
Eu vi, eu vi
A cortina balança
Ergo a cabeça
Tem dois olhos ali
Um gato preto sentado na minha janela
O que ele quer?
Entrar aqui?
Há tantos lugares melhores para estar
Ameaçadoramente estático, menos o rabo
Dou de ombros à sua presença
Acendo mais um cigarro
Sigo o ventilador por duas voltas
Com o pescoço meio pendido para à esquerda
Vou até a sacada e sento no chão
Horário de verão
Claridade 20:00
Têm dois olhos ali, ali, ali e ali
E aqui
Observando observado
Ecos urbanos
Os jacarés deram sua sentença
Vou até a sacada e sento no chão
Horário de verão
Claridade 20:00
Têm dois olhos ali, ali, ali e ali
E aqui
Observando observado
Ecos urbanos
Os jacarés deram sua sentença
Morra-me
Tráfego lateral na ponta dos dedos
Deslizam verticalmente empossados
Pelo limite do engodo caloroso da marginal
Um outdoor repleto de dentes brancos
Endossa o fio condutor como símbolo
De um viés inacabado
Enquanto isso,
O atraso, a sonolência, as suturas
Repentinamente golpeiam o espectador
É longo o acesso, curto o passo
Serpentinas douradas enroscam nos cabelos
O céu triunfa, refletido nos incisivos
Do outro lado,
Um raio de sol, cruz no anzol
Manjeronas brotam
Em pudim de argila
Tronco ou cabide?
Miopia, minha pia
Há em mim um manicômio
Que ferve e flutua
Trôpegos, os sons se conectam
Apesar daquilo,
A miragem entra no mar calmo e gelado
Trazendo uma névoa elegante
Que faz bactérias chorarem
Esquálido,
O torpor atravessa na faixa amiúde
Preciso lavar meu calção branco
Plantas sobreviveram no jardim quando chorei
Flores apenas coloriram
E o pássaro com um pé defeituoso
Não quis
Voar
Chamei-o de Absalão duas vezes
“Absalão, Absalão”
Nada, nem sequer um piu
Notei então, que a natureza era um erro
E Absalão significava-me
Sim, um erro
O erro
Da natureza
Enquanto o boldo reluzia verde
Entre pedras brancas
Doadas pelo século
Vendidas por Marte
E a lanterna solar falhava
Nada fazia sentido
Quando colhia manjericão
Para um macarrão
Que sobraria
Mais uma vez
E o pássaro com um pé defeituoso
Não quis
Voar
Chamei-o de Absalão duas vezes
“Absalão, Absalão”
Nada, nem sequer um piu
Notei então, que a natureza era um erro
E Absalão significava-me
Sim, um erro
O erro
Da natureza
Enquanto o boldo reluzia verde
Entre pedras brancas
Doadas pelo século
Vendidas por Marte
E a lanterna solar falhava
Nada fazia sentido
Quando colhia manjericão
Para um macarrão
Que sobraria
Mais uma vez
Sonho de um boicote de verão
Ruas alagadas
Tijolos arremessados contra as janelas dos orfanatos
Fina passagem, jardins nas descargas dos hóspedes
É um capricho secar as orelhas
Absolutos abandonados na teia de emergência
O ônibus atolou na porta de casa
Fiquei sabendo que roubaram um rim no Paraguai
Mas foi o típico momento de sabedoria altruísta
Bernini erotizou o pecado
É por isso que o mármore brilha molhado
Tenho pés em chamas
Meus cabelos crescem tão rápido
Que o calendário menstrua em duas luas
Sentado, com o peito suado
Ouço barulho dos talheres chocando-se
Ela canta uma canção que desconheço enquanto trabalha
Descarga na terceira janela do andar de cima
Já vi a antiga moradora de biquíni ali
Passando um creme amarelado nas pernas
Apareci de relance no espelho
Voltando do mercado com duas sacolas
Ela fez um biquinho no exato momento
Altruísta?!
Nesse dia paguei o aluguel adiantado
Bebi as sacolas
Ouvi em bom som pela janela sua conversa com a mãe pelo telefone
Que o tempo iria melhorar
A matrícula estava paga
E Reginaldo havia lhe dado um anel
Depois, enquanto eu tentava dormir
Ela dançava com Bernini
Ricocheteando seu gozo
Parei de respirar
E nunca mais a vi
Destraído
Apesar,
As cores de um jardim calado
Entorpecem a aranha careca
As teias da subordinação são grossas
Como os caules da esperança
Insano cortejo da bilheteria
Seguindo um vestígio de soro marcado
A ferro, fogo, sintonia, artifícios
Tabaco, álcool, solventes, histeria
Coalhado, calado, qual lado
A corda estica?
Apesar,
Do sujo olhar do beija-flor
A pergunta é feita pelo Doutor M.
Flocos de madeira cristalizados
Caem sobre as sombras das viúvas ancestrais
Os bonecos de pedra sugam o descompasso
E equilibram a primavera abrindo a porta
Paro, a pesar
O nó da corda
Uma desobediência desiludida
Calcando a perfeição
No último minuto do relógio
Ilustrações: J Lloa
Ramon Carlos (Santa Catarina, 1986). Escreve no site: www.estrAbismo.net. Sua carreira literária resume-se a dois contos publicados em uma antologia, além de materiais diversos em revistas como: Mallarmargens, InComunidade, LiteraLivre, Subversa, Philos, Escambau, Bacanal, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura e Jornal Plástico Bolha.