Oito poemas de Diego Mendes Sousa.

“Les Saintes Maries de la Mer”, de Vincent van Gogh


SÁBADO MAGRO

E quem dentre nós, poetas, não falsificou o seu vinho?
Friedrich Nietzsche  

Raparigas e rapazes,
beijai-vos, amai-vos,
que o Tempo é um silêncio
em ruínas
sem a cor do sonhar.
Por isso,
raparigas e rapazes,
vivei-vos, barulhai-vos,
sonhai-vos, despertai-vos,
na contraditória noite
da nossa tímida existência,
efêmera e febril,
na palpitação do Amor,
no luzidio mistério do ser.
Beijai! Amai!
Raparigas e rapazes,
antes do Sábado Gordo,
pois é a dor do viver
que vos ensinais a gemer!
Festejai! Pulai!
Beijai! Amai!



VE[DOR] DE ESTRELAS

Conheci mais tristeza que ventura
e sempre andei errante e peregrino.

José Albano

Maldormido chão.
Maldormido céu
sem nuvens.
Maldormida lua.
Sinto os maldormidos tempos
caminharem
na sonolência
e na vaziez dos acordes
das maldormidas
auroras.
Silêncio de maldormidas
quedas…
Maldormidas ruínas…
Como o trágico atordoa?
Como a tristeza apavora?
Como a insônia incomoda?
Maldormidas vidas.
Maldormidas dores.
Maldormidas horas.
Os pássaros amanhecem
as árvores…
O sol acorda os pássaros…
As árvores
e os pássaros
choram
 
a música
do destino
ao vento…
Maldormidos presságios.
Maldormido vedor
de estrelas.
Maldormido mar
da minha alma.
Maldormido rio
do meu deserto.
Marcha idílica
de maldormidos abismos
da minha terra.
Maldormidos sinos.


FONTE 

Todo homem são pode passar
dois dias sem comer;
sem poesia, nunca.

Charles Baudelaire

Vem à boca
o deus mudo 
das águas
ou o demônio 
que ribomba 
em desforra 
nas ondas. 
A língua fluida inclina 
os devaneios do rio 
que se aterram
e se arrebatam
na substância 
colérica, bela, 
e desmoronada
do mar.
Correm
entre as duas 
margens imóveis
o homem
e a visível 
solidão.
O espaço do fogo
domando o destino 
e a folha escura do mangue
a suspirar 
(no Parnaíba 
ou em algum outro 
jorro de água insaciável) 
descendo calmamente 
 
no duelo sangrento
dos elementos
ao sabor do tempo.
Eis aqui o silêncio 
em liquidez
e esta dor 
sonorizada
em redemoinho 
com os olhos 
no Atlântico.
O interior infinito? 
Tudo não sabido?
Todas as carências
da vida?
O sonho de navegar 
no oculto do mundo 
onde o abismo da alma
exalta a vertigem 
e o chão falta 
para a queda
ambígua.



NEM TANTO, NEM TÃO POUCO

A morte é esse danado número um.
Augusto dos Anjos

Nem tanto, nem tão pouco,
a medida é o mistério
do caminho.
Muito, muito pouco,
quase nada do destino.
Tudo navega no abismo,
quase tudo sem sentido,
no impulso de um ser
bem menos.
Nem tanto,
nem tão pouco
no horizonte
zera-se
a vida.
Tão pouco,
nem tanto.
Os dividendos dos sonhos
e as subtrações das ilusões,
a simetria irreal
que flutua ilhada
na totalidade desigual
da vastidão sofrida
que habita sonora
o tão pouco
e o nem tanto.
A estrada
perdida
em fúria,
 
essa alma
que desaba
como chuva.
Nem tanto,
nem tão pouco.
Muito mais
que a claridade.
Muito mais
que a quimera.
Muito mais
que a santidade.
Muito mais
que a tarde
que se apaga
no céu.
Muito mais
que a queda
da noite.
Nem tanto,
nem tão pouco.



LEI

Somos cegos de razão.
José Saramago

Ninguém estaciona o Sol,
ninguém!
Somente Deus,
que esbarra o tempo
contra a vida.



A DINÂMICA DA MORTE

Os olhos choram, porque veem.
Antônio Vieira

Cada um é um.
Os girassóis rodopiando
na roleta do tempo
e o homem imóvel
perante a indiferença
dos ciclos.



TRÍPTICO

Ao menino que fui tudo foi pago.
Alberto da Costa e Silva

I
 
TRANSPOSIÇÃO
 
os pés nas nuvens
os pensamentos
no chão
 
II
 
SILÊNCIO
 
Cala-te, poeta!
A beira-chão
nada mais dizer
 
III
 
CHANÍSSIMO
 
Pés no chão
sentidos ambíguos
o ser contido
 
DIVISA
 
Muge a terra ao tropel dos corcéis e dos homens.
Homero
 
I
 
DESERTO
 
Nublou o coração.
Paro a mão no Sol.
Selvagem delírio.
 
II
 
PASSO
 
O trote assalta o Tempo.
Meus cavalos entalo.
O trote assalta o silêncio.
 
REMEMORAÇÃO
 
Eu vivo como o mar, bebendo os rios.
R. Petit
 
I
 
FÚRIA
 
Ponto a ponto.
Possessão acordada!
Trama-se o sonho.
 
II
 
PODER
 
Marcha adiada.
No corcel do instante,
metafísica tecida.



CRIAÇÃO

Cada coisa ordinária é um elemento de estima.
Manoel de Barros

Aprendi
com Lorca,
Rainer Maria Rilke
e outros assombrados,
o enigma.
Jamais saberei
explicar
a origem
cosida
do espanto,
esse conhecimento ávido
que se desfaz,
vira esquecimento
e se torna pura
beleza avara.


Diego Mendes Sousa nasceu na Parnaíba, no estado do Piauí, a 15 de julho de 1989. Advogado e servidor público federal. Autor dos livros de poemas Divagações (2006), Metafísica do encanto (2008), 50 poemas escolhidos pelo autor (2010), Fogo de alabastro (2011), Candelabro de álamo (2012), Gravidade das xananas (2019), Tinteiros da casa e do coração desertos (2019), O viajor de Altaíba (2019), Velas náufragas (2019), Fanais dos verdes luzeiros (2019), Rosa numinosa (2022), Agulha de coser o espanto (2023), O escrevente do chão (2024) e A borda do mar de Riatla (2025).
Contato: diego_mendes_sousa@hotmail.com  

Respostas de 2

  1. Estes poemas de Diego Sousa parecem protagonizar o rio, o mar, os astros, porque recorrentes. Sempre com referências à natureza marítima, os versos plasmam o mistério insondável da existência humana tão capaz das vicissitudes que a materializam. Daí, porém, passamos a percorrer os poemas detidos na situação humana aguçada no inevitável perigo de ser. Linguagem moderada, sem o pântano do preciosismo que não dá peixe; sentidos desafiadores à leitura mais aterrada. Solidão e espanto convidam para o “luzidio mistério do ser”, no qual há vida “Nem tanto,/nem tão pouco”. Afinal, sobrevivemos para o Atlântico do nosso “ser contido”. À borda do mar de Riatla, revisitamos nossas profundezas, como ondas.

  2. Caríssimo DIEGO, meu POETÃO DO MAR:
    acho em seus VERSOS,como é intrínseco de quem ESCREVE POESIA, você um pouco ” spleen”, também sem ISSO que seria da CRIACAO?

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