Cinco poemas de Carlos Alberto Gramoza

Foto de Landiva Weber
 

Estranha Estação
 
É preciso que mais forte
Sejam dessas flores as fragrâncias
Que dos fétidos excrementos
No chão rachado estorricado
Sem fertilizantes
Frutos não dão as sementes
É preciso que não deixemos
É preciso que fortes
Não murchem dentro de nós essas flores
Estranha estação
Sem carregadas nuvens
Previsão de chuva no tempo
É preciso que forte dentro de nós
Não deixemos murchar essas flores
 
Périplo
 
Firme com meus dois pés
No universo estou
É onde em mim se compõe
Bem no contato da partida dar a canção
Começo sem caminho sem fim
São o seu lugar todos os lugares
Para refazer-se fecundá-la
Fértil é todo amanhado chão
Nas refregas cabe a canção
Nos prostíbulos cabe a canção
No sem direção cabe a canção
O mundo degradado
De tantas descartadas gentes sem apelos
Cabo-me na participativa canção
Para de um mundo a construção melhor
E epinícios na grandeza da sua presença
 
Presságios
 
Chove chuva chuva forte
Em tropéis descem pingos
De felicidades sorrisos
Ou de dores lágrimas da mãe terra
Duros doídos golpes sentidos nas entranhas
Sem apelo único
Vento com a chuva
Música de amor ou lamento
Envolvidos estamos
Na avassaladora ira da mãe terra
De nós cuida a mãe terra
No seu coração pulsa cada coração
Todas cores de todos os seus níveis alcança
Por isso da mãe terra a ira Voraz
Passos andando à própria sorte
Manhã lá fora de mim
Para eles mesmos
O cantar de libertários pássaros
 
A Espera do que não chega
 
Essa sede não a mata
Esse copo com água
Não a mata o fio
Não a mata o oceano
Maior que o mundo é essa sede
Potável virá essa água ainda
Que em acalantos dessedenta
No coração em perdida validade
Nunca estará o amor
Com o sol brilhando
Colocar-se-a em sorrisos
O coração nos lábios do mundo
Das truculências em livração respirar o mundo
Quando do anzol mordida a isca
Fisgadas as guelras pela eternidade

A Minha Mesa
 
É na minha mesa
Cada vez mais difícil
Servir a Esperança
É na minha servido o sonho
E na minha mesa é servida ainda a lua cheia
Na minha mesa Servido ainda o braço amigo
Servida anda a interação
Intrusa ainda é minha mesa Servida a agonia
É na minha mesa Servida ainda
A certeira libertária palavra
É na minha mesa
E Servido Servida ainda raros aromas de afetos
É na minha mesa
E Servida ainda Carícias
Transbordada maré de amor
É na minha mesa
Ainda Servida a lua cheia
Farta formando uma só mesa
Num mundo em ressacas
Soltando soltos sorrisos a paz

Carlos Alberto Gramoza é poeta, autor de Tempos Perplexos, Passos Oblíquos, Ressacas, Escambo  e Terramor e outros poemas (no prelo).

Uma resposta

  1. Os poemas surgem num crescendo, verso a verso recortados, hesitantes, faiscantes, insistentes. A fonte é sempre a natureza, todo um bioma com nascente na Amarante de Da Costa e Silva e de Clóvis Moura, dois autores da predileção de Gramoza, poetas também da terra, da raiz secreta de onde tudo se expõe. Afinal, o relevo, a atmosfera desenham um lugar, um estado de emoção, um xamanismo inconsciente, tudo que a poesia reparte, assim, supõe, e cada olhar se aproxima do que quer ler. A solidão, a coragem, o medo, a espera amante, a denúncia social: insinuações verbais por entre delícias dos frutos e cegas unhas-de-gato. Enfim, os núcleos da inspiração atravessando fronteiras longínquas que são quintais úmidos de aconchego e de partidas na expressão de Gramoza: "Manhã lá fora de mim/Para eles mesmos/
    O cantar de libertários pássaros". Na mesa do poeta é servida "A certeira libertária palavra", portanto "mata", "água", "fio, "oceano" confluem, desembocam. Logo, desde "Tempos perplexos", o açude sangrando e outros dizeres no tablet vindo de algum quarto em Teresina. Ali, acolá, aqui onde o poeta se pronuncia num segredo da mãe terra onde pisam os solados "firmes com meus dois pés". Pisam macios ou violentos à inspiração de Gramoza, este poeta da pedra e das flores. Desse modo, sua escrita parece com o que é, copia a si mesma e, por isso, perene: "Quando do anzol mordida a isca/Fisgadas as guelras pela eternidade".

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