
O amor é mais velho que o tempo
O amor é mais velho que a Morte.
O amor tem a mesma idade de D’us
quando Ele se casou.
***
Donegal
Is breá liom tú
Eu te amo;
foi a primeira sentença gaélica que aprendi
antes de sair em busca da Aurora Boreal,
anunciada pelas rádios de alta frequência,
Radio-Activity & Corvos alucinados.
Depois de quatro horas de viagem,
dentro do Ônibus Azul,
de Dublin para Donegal,
eu & Toda a Humanidade;
Homens & Mulheres Idosos & Crianças
descemos no centro da cidade
às 02h a.m.
Começamos uma longa caminhada
até a praia mais próxima
quando Ela saiu sozinha de um pub
descalça, o vestido vermelho de sua atmosfera
os raios solares colapsando poeiras cósmicas,
um trovão entalado em sua garganta,
a polpa dos seus lábios na fuligem das águas
dormindo com seus pesadelos
de Sophia Decaída.
Eu & Toda a Humanidade
seguimos os seus passos luminosos
durante tanto tempo; sua pele branca
como a barriga das lagartixas coladas na vidraça,
como a revoada das gaivotas em Donegal;
a tonalidade da sua voz entre o lilás e o índigo,
seus cabelos volumosos corais nos rochedos
a maré está subindo, a cheia da maré,
o burburinho das águas entre as coxas brumosas.
A ferrugem das embarcações submersas
é a Aurora apascentando bois almiscarados,
iaques, araucárias, carvalhos,
apascentando parteiras celtas,
as benzedeiras do Paraná
e os sonhos da humanidade
com o sangue das amoras,
enquanto me deito
na areia da praia de Donegal
bêbado da imensidão da noite
sem estrelas e sem nada a oferecer,
a não ser as rosadas nuvens de geada.
E aprendi a cantar sem medo da vida;
que a morte nos da coragem.
E aprendi que desperdiçar o Amor
é trair a D’us.
Voltar para Casa pode ser dolorido.
E pela manhã eu & Toda a Humanidade
exaustos da viagem através da noite
dissemos adeus à Donegal
Com suas casinhas Conto de Fadas
suas cervejas, castelos, suas ruínas
nossas ruínas;
o Verde falará pelo Verde,
o Verde responderá a Todos.
Então a Humanidade seguiu
o seu próprio Caminho,
oposto ao meu,
solitário e contra o vento
continuei procurando o atalho mais seguro
para me levar de volta
à Casa da minha Origem;
ainda carregando a minha bagagem contendo
os Três Estados de Alma da minha Existência.
Assim continuava o meu caminho,
pensando no meu fracasso
por não ter encontrado a Aurora Boreal,
mas eu estava errado;
Ela me encontrou e caminhou comigo
até a praia, desde o início dos tempos,
e me disse o seu nome com um trovão entalado na garganta.
Ela era a Sabedoria na pele de uma deusa irlandesa
e eu era apenas um menino com problemas,
com muitos problemas.
***
Nerval
I
À medida que o homem
passou a ter o Poder sobre a Natureza
mais a sua Ilusão de Poder se manifestava
contra a sua própria raça.
Então o Homem passou a buscar a Verdade
muitas vezes se afastando ainda mais da Verdade.
O Verme não tem amizade com a Bota.
A Hiena ri diante da carniça.
O Corvo não se desvia da Morte.
O Boi não repele o arado.
O cervo não esconde a água.
A Raposa não vive só da vinha.
O Elefante não blasfema a velhice.
E o Narval mergulha para o alto.
***
O Amor da Casa Demolida
Parte 2 (Fragmento)
…enquanto amigos e familiares rezavam o Pai Nosso
eu fazia backing vocal lendo
Nota de Rodapé Para Uivo de Allen Ginsberg
poeta que você tanto amava.
“Why does my heart feel so bad?”
Mas você foi embora sem se despedir de ninguém,
como nas vezes em que saía puto de uma festa qualquer
porque estava tocando alguma música de merda.
E agora o que resta além desse corpo feito
de carne osso pó & ilusão?
Em outras guerras lutamos
mas foi durante o seu funeral que eu soube
o que já sabia;
que se os bons morrem despercebidos;
que meu sangue é ruim e devo viver por mais tempo,
mais tempo que o próprio tempo,
e minha sentença é a dor de ter que enterrar
cada um no seu devido tempo,
aqueles que mais amo,
todos que estão a minha volta;
os amigos do passado
e os amigos que ainda não chegaram.
Vou enterrar um a um;
meus gatos,
pai & mãe & meus irmãos, sobrinhos, parentes.
Marcela, amor de outras esferas. Sizígia
nas espirais dos seus cabelos
as flores amarelas o ouro e os espelhos
o voo da Águia predadora
sendo confrontada pelo Beija-Flor
atacando com seu voo rasante.
Suas cinzas jogadas aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo
o rejeitado, o maldito, o leproso de Israel
que carregou em sua alma todas as mágoas & erros do Mundo
e das suas lágrimas convertidas em sangue
nasceram Todas as Rosas do Jardim de D’us.
hei de enterrar a porra toda,
um a um, os velhos amigos;
Flavio Vicentini; o Rei da rua Benjamim Constant
Renatex, Kenya, Andresa, Laís Salvador. Som & Fúria.
Fernanda, com seus mantras, sua respiração.
Degani, Oscar, Jacó.
Fernanda Dinardo, com suas janelas abertas e fechadas.
Luciano, Luciana, Miguel, Michele
William, meu irmãozinho. Alex, atormentado.
Fátima, a cigana do mundo com suas orquídeas
em meio à dança de Santa Sara.
Debora, Iluá; a Fada Verde,
o Unicórnio diante da Serpente.
André Fujiwara, Richard & as flores do mal,
hei de enterrar todos, um a um;
os que já nasceram prometidos a mim;
Alexandre & Fabio Maçola, minha pedra da sorte,
meu irmão.
Éder de coração aberto pela ferida do amor.
Fernanda Lopes; o Beijo de Klimt.
E os poetas: Alberto Marsicano
Thiago de Mello; rosa branca talhada em mármore
Carlos Nejar; o gigante que descobriu o Alfabeto dos Sótãos
Celso de Alencar e os jovens poetas & amigos da minha geração
os que me condenam “poeta fascista de merda”
Por que o meu coração está tão triste?
***
Visitação
No luto.
Na perda.
Na dor.
D’us me visitou em um Beija-Flor.

Mateus Machado é anti-poeta, escritor e ensaísta, formado em gestão ambiental pela Faculdade Prof. Luís Rosa (Jundiaí). Em 1997 foi cofundador e diretor de cultura da AEPTI (Associação dos Escritores, Poetas e Trovadores de Itatiba-SP). Participou em antologias e na revista literária Beatrizos (Argentina), vencedor de prêmios literários, entre eles, Ocho Venado (México), e um dos finalistas do Mapa Cultural Paulista (edição 2002). Entre 2017 e 2018, foi aluno de música clássica indiana com o citarista, escritor, tradutor e poeta Alberto Marsicano. Autor dos livros publicados Origami de metal (poemas, Editora Pontes, 2005), com prefácio do poeta Thiago de Mello; A mulher vestida de sol (poemas, Editora Íbis Líbris, 2007); A beleza de todas as coisas (poemas, Editora Íbis Líbris, 2013), com prefácio de Alberto Marsicano, onde finalizou sua primeira etapa como anti-poeta; As hienas de Rimbaud (romance, Editora Desconcertos, 2018); 17 de junho de 1904 — O Dia que não amanheceu (ensaio, Editora Caravana, 2022), sobre a obra do escritor irlandês James Joyce, e Nerval (poemas, Editora Caravana, 2022), um livro de transição. Em 2023, iniciando uma nova fase no seu trabalho, publicou o primeiro livro da trilogia Poiesis Religare, intitulado YHVH, pela UICLAP, através de autopublicação. Agora, em 2025, está publicando o novo livro de poemas O Evangelho segundo as HQs, pela Editora Mondru, iniciando a sua segunda trilogia poética. Atualmente está finalizando o livro Um bode para Adonai — outro para Azazel. É autor do canal de literatura Biblioteca D Babel no YouTube.
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E-mail mateusmachadoescritor@gmail.com
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