LANDSCAPE

 

barcos

ancorados

na manhã

 

recortados

na plácida

paisagem

 

miragem

azul

 

é verão

 

hasteio

o êxtase

em mim.

 

ASAS

 

sol tem asas

que miro

pela janela

 

desde o poente

 

e que alça voo

lentamente

 

até que a lua

desponte.

 

APONTAMENTOS SOBRE A VIDA

 

vida

aventura

transitória

 

no trânsito

desordenado

da eternidade

 

suspiro breve

alguns poucos

passos

 

por isso

cada momento

é vital

 

a mover

a engrenagem

dos afetos

 

após a alegria

o pranto

 

depois do vento

a desolação

 

apenas isso.

MORNING

 

orvalho

veste

a paisagem

 

sol ainda

não deflorou

a manhã

 

nada a temer

 

exceto

os espasmos

da memória

 

 

SUNDAY IN NEW YORK

 

em algum domingo

estarei

em Nova York

 

ouvirei jazz

a meia-luz

 

num bar mágico

& enfumaçado

 

deixarei

o sopro lânguido do sax

me conduzir a horizontes áureos

édens imaginários

 

desfrutarei da melodia

atento ao vinho

& ao improviso

 

serei feliz

por breve tempo

 

logo o despertador

invadirá os tímpanos

 

trazendo-me de volta

para a vida.

 

BLUES PARA SANTANA

 

ele desliza

os dedos

pela guitarra

 

simulacro

de um corpo

de mulher

 

delicado

acaricia a melodia

deixa fluir

 

num ímpeto

amplifica

o sentimento

 

derrama notas

num orgasmo

 

depois

se aquieta

 

sorri.

 

 

DESA(R)MADO

 

vou desa(r)mado

ao teu encontro

 

sem risos

festas

 

com sal

nos olhos cansados

 

levo sobre os ombros

escombros de sonhos

 

cidades devastadas

dentro de mim.

 

PLATONISMOS

 

fiquei

esperando

a carta

 

enquanto

dissolvia-se

a tarde

 

telefone

permaneceu

calado

 

nenhum scrap

recado

no messenger

 

outdoor

anúncio

nos classificados

 

sequer telepatia

 

instalou-se

a noite urbana

trevas em mim

 

e confesso:

 

não tenho

habilidade

para lidar com isso.

 

 

GAZA

 

sob céu

belicoso

 

lenços

quadriculados

 

dissimulam

faces

 

ocultam a dor

de um povo

escolhido

 

sempre

como alvo.

 

SUBVERSIVO

 

é preciso

ter em mãos

a planta baixa

 

das saídas

de emergência

 

das rotas

de fuga

 

dos porões

& sótãos

 

é necessário

conhecer

estradas vicinais

 

despistar

vizinhos

falar o mínimo

 

dias se arrastam

clandestinos

 

inverno

se anuncia

lá fora

 

dentro de mim.

Ilustrações: Janice Affonso

RICARDO MAINIERI: Porto-alegrense, nascido nos loucos e áridos anos sessenta. Publicitário pela PUC-RS. Colou grau em 1983. Poeta, prosador e funcionário público aposentado, não necessariamente nesta ordem. Autor do livro-solo de poesias A travessia dos espelhos, P. Alegre/RS, 1990, Prêmio IEL – Coleção 90. No prelo, a obra Emoções em trânsito. A ser editada, brevemente.Participação em diversas antologias nacionais como o Livro da Tribo, Editora da Tribo, S. J.do Rio Preto/SP, diversos anos, e Editora Scortecci, São Paulo/SP, 2010 e 2018. Internacionais como Poezz, ed. Almedina, Porto, Portugal, 2004