Nóis trupica e cai, crônica de Malvina de Castro Rosa

Foto de The Lazy Artist Gallery

Pertenço a uma rara linhagem de pessoas que caem. É raro, mas acontece com frequência as quedas e o número de integrantes desta cepa. Minha avó caía, minhas tias caíam, minha mãe cai, minha prima cai (e me conta só uma semana depois, quando já passou a vergonha), eu caio. Definitivamente, não pertencemos ao grupo que trupica, mas não cai. Nós, seres elevados, caímos de nossas próprias alturas. O pior é que casei com uma pessoa cuja mãe também pertence a essa linhagem dos tombos inexplicáveis. Começo a chegar à conclusão que as chances das minhas filhas se manterem na vertical ao longo de suas vidas são ínfimas.
 
Essa semana mais uma vez caí, tal qual uma picanha na balança, enquanto caminhava pela rua, e cheguei a várias conclusões. Primeira, a dor moral, na maioria das vezes, é muito maior que a física. Segunda, tombo não se explica, se cai. Toda vez que quem caiu ou quem viu o tombo tenta explicar aquilo, parece inexplicável, uma desfragmentação do ser. Terceira, as pessoas que tentam ajudar o caínte, precisam compreender que o corpo humano para se recompor, voltar do estado líquido para o seu estado físico habitual, demora alguns segundos. Sabe-se que todo mundo quer superar aquele momento, tanto o caínte quanto os espectadores, para ter certeza que já tá liberado rir, mas há de se dar tempo para aquele corpo que acabou de passar por um terremoto pessoal se recompor. Quarta, no tombo vale a máxima antes só do que acompanhada, e aí nem interessa se a companhia é boa ou ruim, só o fato de ter uma testemunha ocular da queda já é suficiente para que você não possa mais idealizar o tombo. Se você vinha caminhando pela rua, pisou errado no meio fio e se esborrachou no paralelepípedo, não vai poder contar que caiu quando tentava salvar de um atropelamento uma tartaruga nativa. O mais próximo desse relato que chegaremos é seu acompanhante comparar sua adesão ao solo com a de uma lesma, daquelas sem concha.
 
Como de tudo sempre é possível tirar uma lição, nós, dessa seleta linhagem de pessoas que têm problema de se manter em pé, a cada tombo estamos mais preparados para vida, que é um eterno cair para levantar.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial, no Brasil, e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária.

Instagram @malvina.rosa

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