
Palavras ao vento
Algumas palavras, não eram muitas, joguei ao vento.
Lamento dizer que várias caíram em terreno hostil.
Não pude salvá-las…quando vi, era tarde…
Uma ou outra teve destino diferente:
semente que floresce é fruto da sorte.
Foi sem ensaio, quase improvisado, o meu gesto.
Honesto, uns diriam. Para outros tantos, infantil.
Oferecer versos ao vento, sem alarde.
A rima escondida é antídoto para o grito.
Aflito, ele ignora o que sobrevive à morte.
As palavras que espalhei vão rodando em espiral,
igual um furacão que desaparece no próprio rodopio.
As relutantes, a poeira depois encarde…
E enquanto os sapatos atarefados correm em falso,
descalço, faço das palavras meu passaporte.
Ali onde a esquina se dobra
Vi vagabundos ao sol.
Círculo de almas penadas
na órbita de um só fastio.
Pombos ou homens, não sei.
Algo no centro da roda,
atrás dos trapos e risos,
se esconde à vista daqueles
que desfrutam de outra vida.
O calor promete a chuva,
ameaça no meio das nuvens.
Todos procuram refúgio,
salvo os vagabundos e eu.
Quem persiste não sucumbe,
por isso ouso perguntar:
a que os senhores devotam
tão desmedido interesse?
Vem o silêncio, arrastado
pelas respostas, e inunda
a rua repleta de ausência.
O ar da espera fecha o céu.
Se torço o pescoço, então
compreendo quem são meus pares.
Mas do outro lado dos nossos
ombros nada nos cativa.
Quando a chuva enfim atinge
em cheio o coração do asfalto,
nossas asas não se sujam,
pois já saímos em revoada.
Desgosto
Gestei o poema
como o abacaxi mal digerido de ontem
doce na língua
ácido na entranha
impasse de sensações
que atordoa antes de irromper.
Apreciei a espera
até o rascunho ser passado a limpo.
Novelo de possibilidades sem ponta para puxar
denso emaranhado
porém translúcido
que filtra a luz o som o vento
vazados em suada trama.
Depois do parto
quando apartado de mim enfim
o poema se exibe
não diz nada.
Recém-nascidos não sabem falar.
Confronto a mudez que não é mudez
mas silêncio
porque quem nada diz pode dizer tudo.
Na boca vazia de voz
encontro só o gosto da palavra perdida
sentida ausência que me faz duvidar
da própria existência de algo oculto
em tão indevassável esconderijo.
Poderia inventar
chaves mapas sentidos.
Mas persiste a lembrança
de algum sabor desconhecido
que não consente escolher outra sina.
Resignado de volta à azia
descarto a coroa
a casca espinhosa
e com as fatias da polpa amarela
desmancho do jejum o hálito.

Felipe Duarte de Paula nasceu em 1987. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é promotor de justiça. Mora com a família em São Paulo. Em 2024, lançou o livro de poemas Vida selvagem, pela editora Patuá.