
Cortaram as canas no baldio atrás da minha casa. Com elas, caíram as urtigas, as malvas, as papoilas. Mas não tardarão a voltar a crescer.
Agora, são os pombos que varrem este campo de batalha, a linha ténue entre a natureza e os homens. Todos os anos, por decisão da câmara, a natureza perde.
No fundo, é apenas uma escaramuça local, o reflexo de eleitores que ainda confundem vida com desordem, o verde com sujidade.
E mesmo assim, no fundo da alma, sabemos que os tigres e as gazelas passearão tranquilamente pelos jardins de Versalhes.
Amadora, 27 de setembro de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.
Respostas de 2
É uma crónica-poema doces mas assertiva: parte do pequeno gesto local (o corte das canas) para refletir sobre uma tensão universal entre ordem humana e vitalidade natural.
A vida é um processo permanente.