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Tem domingos, ainda que ensolarados e de temperatura agradável, tudo o que temos para oferecer à sociedade é um sutiã. Depois de uma semana daquelas intermináveis, em que a quarta-feira parece ter sido há 5 meses. Que se trabalhou numa escala absurda de descascação de pepino. Que a política nacional e internacional deu voltas, reviravoltas e as notícias aceleraram ainda mais a vida. Você acorda no único dia real de folga profissional, física, emocional e intelectual meio com dor de cabeça, dor no pé e pensa: hoje nada me tira de casa! Dez minutos depois descobre que não há café. Você pode passar um domingo sem cafeína, mas e o que será da segunda-feira? Esse é um problema para você de amanhã, diz sua consciência. Poucos minutos depois você se dá conta de que também não tem sabão de lavar roupa, então problemas e faltas começam a ser reveladas. Talvez uma ida ao supermercado não seja o fim do mundo, mas a decisão é óbvia, você deve ir como está, com a calça de moletom e camiseta velha dormidas. Afinal não deve fugir do propósito e direito de um domingo de preguiça. Ok, um sutiã é necessário, ainda que eles tenham sido queimados na década de 60, há convenções de que não conseguimos fugir. Sem contar que a sensação do peito fazendo “plefete” na barriga quando a gente se mexe depois de uma certa idade é um aniquilador de qualquer autoestima que ainda reste no corpo que é só o pó.
E assim de óculos escuros, meio manca, desfilo pelo supermercado, torcendo para não encontrar nenhum conhecido. Mas como quase tudo tem um lado bom dependendo do ângulo que olhamos, percebo que há sempre quem esteja em um estado pior. Empurrado meu carrinho pelos corredores avisto uma contemporânea escabelada, também empurrando seu carrinho, sem sutiã por baixo de uma camiseta preta que na altura de onde um dia foram os peitos, tem uma estampa de um sutiã sexy ostentando peitos desenhados em uma representação jovial de um dorso feminino. Penso em quão pesada deve ter sido a semana dela! Sigo meu caminho. Nada mais me abala, poderia até ter vindo de pantufas se assim quisesse. Não me chateio nem quando me dou conta que esse tempo todo estive com a camiseta do lado avesso, pelo menos meus peitos não fizeram “plefete” por baixo de uma controversa ilusão de ótica.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial, no Brasil, e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária