Coluna Luís Palma Gomes: As vidas inventadas

Ilustração: Vladimir Kush


À medida que a idade avança, escrevo cada vez mais sobre as manhãs — da esperança que trazem, mas sobretudo do tédio pressentido em cada nascer do sol.

As manhãs dão-me uma sensação de esperança frustrada. E a frustração é a centelha da literatura: substitui a realidade por biografias inventadas, mas plausíveis; sublima a angústia por meio de um encantamento poético.

De certa forma, todos fazemos isto sem nos darmos conta; vivemos uma história que inventámos para nós próprios.

A literatura faz algo de semelhante, mas com outra intenção: inventa as histórias dos outros, para os outros.


Lisboa, 08 de novembro de 2025



Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos.  Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.

Respostas de 3

  1. Reflexão muito pertinente sobre aquilo que também pode e deve ser a literatura: uma janela para outro escrita também por outro.

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