
O tempo marca-nos. Não há como fugir dessas impressões que nos alteraram a consciência. Voltar atrás não existe, do ponto de vista ontológico: entretanto, tudo já mudou — tu, os outros, e o espaço onde tudo se passava.
A nostalgia é esse sentimento: a tristeza de já não poderes estar lá outra vez; a obliteração de um momento da tua vida para todo o sempre.
A partir de agora, apenas podes imaginar, recordar. Mas a recordação é uma síntese ficcionada do passado, o resto do almoço que guardaste no frigorífico para depois.
Se quiseres saboreá-lo de novo, terás apenas uma versão requentada: sem o paladar, sem o brilho do novo, sem o encanto do inesperado.
Amadora, 22 de novembro de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.
Respostas de 20
Belíssimo! Como cantou Belchior: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”. A síntese ficcionada, a versão requentada… E o excesso de futuro fazendo -o nunca chegar. Viver o que ficou para trás é virar estátua de sal, é sacrificar o presente num eliminação newtoniano. E que não ponhamos a mecânica quântica na mesma confusão de vida.
Gostei muito do seu comentário. Traduz e complementa esta curta reflexão.
Grande Luis Gomes. Muito bom. Abraço
Muito bom, mais uma vez.
Excelente texto. Curto mas profundo.
Muito bom. O tempo, a memória são efémeros.
Cada regresso ao passado cria um novo. Se queremos uma memória inalterada o melhor é não a revisitarmos.
Aprecio os teus poemas. Estás muito atento aos pormenores que a vida proporciona.
A tua retórica e a tua semântica são brilhantes.
É agridoce:)
A ideia de que não voltas a ver mas consegues ter tempo para ver mais. Algo agridoce..
É também algo que está ligado ao teu estado de espírito. Ou o vês Agri. Ou o vês doce.
E algo que não pára para que tu a sentes de forma diferente.
Fizeste -me pensar nisso.
Como de costume:) obrigado
Abraço
É exatamente isso. Excelente, como sempre
Excelente
Muito bom
Es um verdadeiro poetista um abraço vitor lopes e lena
Excelente texto! Voltar ao passado é bom. Quem é que não gosta por vezes ser nostálgico .
Muito bom. A vida soma e segue.
Deves vocalizar no teu canal no YouTube. Tens tudo para isto.
Boa ideia, Alexandre.
Excelente como sempre, é sempre um prazer ler o Miguel a decifrar os momentos vividos.
Como Vladimir Nabokov dizia ” o tempo não é mais do que uma memória a ser criada” mas no entanto marca sem dúvida, como dizes “a tristeza de já não poderes estar lá outra vez; a obliteração de um momento da tua vida para todo o sempre”, pelo menos não poderes voltar a um determinado momento, não poderes voltar àquela memória e torná-la de novo o agora. Estas reflexões que fazes ficam-se sempre impressas na mente. Obrigada por as deixares por escrito.
José Gil já concluía “não há regresso”. Belo texto!