2 poemas portugueses (escritos em Portugal e inspirados no rio Tejo) de Rubenio Marcelo



DO TEJO A UM PORTO SEGURO
DESCOBERTO NA MEMÓRIA
 
Daqui do Tejo,
deste cais do meu ponto de vista
avisto a história…
 
sinto-me naquele medieval cenário
entre escudos tatuados de enigmas
no dorso das cláusulas d’el-rei
ao eco das almas nas muralhas
                         e nos montes e nos sinos das capelas
quando os Jerónimos ainda eram traços de andaimes…
 
daqui do Tejo
           na transcendência angular
           deste ponto do cais da minha vista
mergulho num mapa-mundo quinhentista
em imagens desvelando naus lusitanas
que pulsaram dos seus casulos nas areias de ouro,
despertaram nas ribeiras de Lisboa,
armaram velas e levantaram âncoras
ávidas de milhas e desafios
em latentes itinerários
apontando descobertas e feitos ultramarinos…
 
sigo avante
e no distante-azul das messes
dialogando com cartas de marear
em singraduras no marulhar das antemanhãs
sinto-me também velejando indômitas caravelas
ao lado de grumetes e outros mareantes
na volúpia das expedições
bebendo a sede do infante dom Henrique
e os mistérios do Atlântico…
 
e a cada milha
sinto íntima crença renovada
nos rosários de sóis dos arquipélagos
e seus reflexos nas escotilhas dos sonhos…
 
mais adiante
aos clarins sedentos das eras
nas quilhas e proas dos horizontes
pelas alturas de Cabo Verde
ao pendão de outras latitudes
                 mais ao mar-largo
eu rumo ao roteiro dourado
lá-além da linha do equador…
 
ao cabo desta minha visão
transpondo dádivas e plenilúnios
                           [daqui do Tejo
deste cais do meu olhar-sentido]
não por acaso, em calmaria
já nas águas do sul da América
avisto sargaços e um curioso pipiar de aves
e vejo um novo sol no bico de um dos pássaros…
decifro a floração do destino,
vislumbro o rotundo monte e a costa
e acho terra a perder de vista…
 
com desvelo,
prossigo rumo à praia-pindorama…
 
renovo a minha fé à vera em Vera Cruz,
entalho meu suor num grande madeiro
e qual pioneiro navegador
com a face curtida de sal e lágrimas
contemplo o arrebol de um porto seguro…
 
e finco no tempo
a flama dos meus ancestrais!



OH, TEJO… CORTEJO-TE!
 
Sento-me na tua margem
e não preciso de alcatifa
nem cadeira de espaldar…
Apascento-me neste chão acolhedor,
energizando a minha essência
neste cais que te mira,
                que te admira… oh, Tejo!
 
Na minha longínqua aldeia
na outra margem do Atlântico,
o meu rio sabe das tuas naus
e dos teus pedaços de mágoas e sonhos
revelados nos lemes famintos do tempo…
      [e eis-me aqui
  oriundo do sol iluminador
  que se reinaugura
  a cada líquido lamento
  desadormecido
  na fronte dos meus irmãos…]
 
Sinto-me na tua imagem, oh Tejo…
                                         e junto a ti
cortejo o timbre do teu soluço
e a voz viva das tuas artérias
que gotejam na minha mente
não somente os cantos de Camões
                     e versos de Pessoa,
mas o confidente semblante dos nautas…
 
Sento-me na tua margem,
alento-me na tua aragem
                 e vejo no teu espelho
o delírio e o desvanecimento de aventurosas quilhas,
o mapa das messes do timoneiro Dom Henrique
e os rastros descobridores de Gama,
                   de Cabral, Bartolomeu Dias
e noites de tantos eternos navegantes
que semearam, à luz da fé,
invictas sagas refletidas na cruz de Cristo…
 
– Oh velejadores de partidas e chegadas,
   escudeiros de esperanças em súbitas marés
   [mareantes que ficaram nas águas
    ou regressaram altivos à costa portuguesa],
   seja feita a vossa vontade
   assim no Tejo
             como no sal!



RUBENIO MARCELO – é poeta escritor, compositor, ensaísta, revisor e advogado. Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (Cadeira nº 35), é autor de treze livros publicados, sendo que um dos seus livros mais recentes (Vias do Infinito Ser) foi indicado pela Universidade Federal de MS (UFMS) como leitura obrigatória para os vestibulares no triênio 2021/22/23 e também foi indicado ao PASSE UFMS 2024/25. Reside em Campo Grande-MS. Acerca da sua produção de poemas lusitanos, a também poeta Raquel Naveira (imortal da ASL e da Academia de Ciências e Letras de Lisboa) assim afirmou: “Rubenio Marcelo, neto de português, poeta, apaixonado pelo rico idioma com o qual nos comunicamos, é escritor ousado na experimentação das figuras de linguagem, da composição dos versos e da criação de metáforas… E nos aponta para o conhecimento de temas tão caros como a vista do rio Tejo…”                            

Respostas de 15

  1. É interessante, para um lisboeta ribeirinho, conhecer a perspetiva de quem chega. E, se Novalis tinha razão ao escrever que “quanto mais poético, mais verdadeiro”, então podemos acreditar que estas impressões são autênticas. Gostei também do ecletismo presente nestes dois poemas: o primeiro, lustroso e épico e aliás muito bonito ; o segundo, claramente pós-moderno, tanto na linguagem como na subjetividade que convoca.

  2. Merecida homenagem ao poeta Rubenio Marcelo que ultrapassa as fronteiras e relembra-nos que a poesia é a linguagem universal. Parabéns!

  3. Por mais absoluta incapacidade de leigo para tecer considerações, só quero deixar meu abraço e cumprimentos por este verdadeiro presente cultural!

  4. Os poemas do Rubenio Marcelo têm muito riqueza de imagens! Embarcamos nessa belíssima homenagem ao Tejo. Parabéns, poeta!👏👏👏👏👏

  5. O Tejo é muito inspirador! Parabéns amigo Rubenio por esse lindo poema que corteja o majestoso Tejo, que é divino em sua contemplação.

  6. Lírico e moderno, saudoso e romântico!
    Uma perspectiva do filho que encontra o ancestral distante e busca suas raizes na outra margem do rio !!
    O Tejo ! Com as águas que deságuam em suas antigas colônias !

    Parabéns !!

  7. Mais uma vez, seus trabalhos me encantam, e me mantem cativa a leitura, cada vez mais seus escritos, sejam poemas, crônicas, letras de música, todos são incríveis e inspiradores. Parabéns por mais esses lusitanos, preciosa leitura para mim. Grande abraço!

  8. Uma poesia marcante feuta com muita sabedoria e inspiração histórica onde a imaginação toma conta do leitor…Parabéns meu amigo!

  9. Rubenio Marcelo, um ilustre membro da Academia de Letras do Matogrosso do Sul, tem na sua veia poética a contemporaneidade de todas as épocas, é versátil. Ele incorpora e transmite com sutil facilidade a história, a beleza natural e os jogos das palavras. Parabéns!

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