Gerry Judah Frontiers 4 (2005)
ela sempre me dizia que o mundo
era pequeno demais para que não nos encontrássemos novamente
sem nenhuma coação do destino
encontrássemo-nos de repente na noite de um dia frio
na geografia esquartejada da cidade
(pontos de ônibus escadas do metrô
esquinas de bares)
nós que impusemos o fim à afinidade
sem intenção alguma de por fim à vida
(a morte ela dizia não é uma forma de vingança)
ela que tudo me dizia
hoje é refém do próprio silêncio
(o mais trágico pleonasmo do abandono)
*
na solidão desse viaduto
eu apenas vigio a noite
e as transgressões dos automóveis na pista
imaginando que a sua distância
não foi uma tentativa de assalto
ou a ausência do desejo
apenas um gesto de desesperança
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nada que antecipara
o incidente programado do reencontro
a ventura que move o tempo
operando os dentes da engrenagem
no movimento do mundo
o seu sorriso (fadário da minha existência)
convite de espelhos a espreitar
os mapas da espera
em que avistava os seus olhos
éramos nós à nossa procura
a nos olharmos sem qualquer vaidade
em qualquer dessas noites escuras
a nos tocar novamente
independente do acolhimento do tempo
e da geografia inexistente
que nos guardou o futuro do inesperado encontro
dos que sempre se mantiveram solitários
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é essa solidão que lhe ofereço
compartilhada entre lágrimas e sorrisos
no impreciso gesto da esperança
é essa dança repleta de sombras
da noite que existe em nós
a geografia sem fronteiras que nos fantasia
volvemos sempre a solidão que merecemos
essa falta que nos empurra ao descaminho
essa infalível prisão que é a saudade
a carência de carinhos habituais
dos corpos em atrito que suam e gemem e sangram
não anseio a paz cotidiana do amor
mas a paixão imponderada e em desalinho
com os lençóis amarrando os corpos em plena luta que em vão tentam se afastar
do curso das entrepernas pelo atalho insinuante da boca
as palavras precisas que você nunca disse
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da certeza das coisas que não duram
além do instante do primeiro gesto
ao mundo que se amargura
(a noite avança sobre os nossos olhos)
o acaso no espelho refletindo
o desembaraço das palavras teimando remexer
o reflexo da hora na dor presente
são esses os nossos corpos
pedindo uma dose maior de (com)paixão
o passado não ensinou a estarmos presentes
nos lugares inexistentes
na sutil geografia do aqui e agora
agora o tempo se perde
nas conversas sem sentido
a cidade se transforma
os amigos se despedem
a vida nos aproxima da solidão
(ouço a noite cair sobre as casas
as janelas se fecharem ao silêncio
a sua voz se perder
como se o mundo começasse a morrer)
Sidnei Olivio é natural de São José do Rio Preto, SP. Biólogo circunstancial e poeta por convicção. Tem oito livros publicados, além de participação em diversas coletâneas, revistas, sites de literatura e e-books.