Wanderley Diniz*
Não teve camisas amarelas e muito menos aquele casal burguês acompanhando a babá que empurrava o carrinho do filhote, como na antiga gravura de Debret. Não teve patos e, muito menos, convocação ou cobertura maciça da televisão e dos jornalões. No entanto, faz tempo que a avenida Paulista e adjacências não viam manifestação assim.
Coloridos, de mãos dadas ou não, lá estavam os poetas e os que creem que a Poesia é essencial. Hoje, mais do que nunca, pois vivemos o “tempo dos partidos, dos homens partidos”. Não disseram versos, mas os empunharam como bandeiras e estandartes, afirmativos da crença na vida futura, que o poeta Drummond afirmou com todas as letras que haverá de ser criada.
Exilado nesta Brasília tão linda e tão mal falada, não pude estar lá com os meus irmãos de fé, amigos e camaradas. Fisicamente, pelo menos, pois o coração e a alma lá estavam, de pé e à ordem. Como estiveram no Viaduto do Chá, lá se vão mais de cinquent’anos!
Como não me lembrar daqueles tempos, como agora heroicos? Se naquele então a ditadura era uma realidade que contestávamos com a arma do nosso canto, hoje, embora sem quepes, fardas ou armas, ela também é presença que muitos teimam em não ver. Talvez porque sutil, com as armas da manipulação midiática, mais terrível que os canhões, pois conquistam e ocupam corações e mentes.
Por mais que tente, não consigo extravasar em sua totalidade a emoção que sinto ao ver as fotos que nos foram negadas pela mídia, mas que estão disponíveis nas páginas dos que lá estiveram.
Ou seja: estão na rede. E, se na rede estão, se nela caíram, são peixes. Como aqueles que os primeiros cristãos utilizavam entre si, comunicando a todos que a verdade estava no subterrâneo, nas catacumbas. Como se dissessem que, para nascer é preciso voltar à escuridão do grande útero, a Mãe Terra.
Como não me emocionar ao ver a foto do poeta Álvaro Alves de Faria – com quem ando estremecido sei lá por qual razão -, o primeiro amigo que fiz em São Paulo, quando findavam os anos cinquenta? Como não reconhecer e tributar-lhe as homenagens do discípulo ao guia que ele, para mim, sempre foi? E lá está o Poeta, empunhando a verdade que é dele e é nossa: “A Poesia me feriu a vida inteira, mas também me fez viver”
Pior aconteceu comigo, que por ela fui ferido de morte, mas sem ela não vivo.
Como não recordar e verter lágrimas pelos que lá estiveram apenas em espírito e que, lá como aqui, dizem presente por minha palavra: Eunice, Eduardo, Clarice, Bell e todos outros que não nomino, mas que partiram para poetar nos Elísios?
Ao Rubinho e ao Hamilton, pais da iniciativa, digo apenas:
– Obrigado, amigos! Valeu!
*Wanderley Diniz é poeta e jornalista profissional aposentado. Participou ativamente de várias leituras públicas de poesia nos anos 60, em São Paulo. Viveu na Europa um bom tempo e mora em Brasília.