A primeira chuva – Luís Palma Gomes

Ilustração: Remedios Varo


Vou manuscrevendo as dores, espalhando-as em cadernos que semeio pela casa.
 
Escrevo sempre à mesma hora, como quem rega uma pequena horta. Mas em vez de melancias e tomateiros, nascem textos como este. Às vezes, brotam flores onde os insectos vêm colher o pólen.
 
No final do ciclo, as plantas encolhem e secam sobre a terra. Chegou a hora do movimento horizontal, de pagar ao solo o empréstimo da vida.
 
É um movimento melancólico.
É uma obrigação de que nenhum ser vivo pode escapar.
 
Caiu a primeira chuva de outono.



Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos.  Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.

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