ARQUITExTURA – KALUNGA

 




I
Em nome do Ar
dos santos
Ámen!
Ei-lo lá
A lançar lembranças
No mira mar
Um santo em seu santuário
Sem crentes nem 10contentes
II
Da pobreza veio
e nela voltará.
Eu vi
Era arcanjo
Servo fiel de deus
Depois rebelou-se
E santodiabo ficou
 
“APOCALIPSE 1942”



In vesto um ataque marítimo
À tua ilha divina
Coloco-me na minha jangada de ginguenga 
Levando o meu falo duro como mandioca 
No caminho
Bebo a água do coco que está entre as tuas pernas:
Remo remo remo remo 
E ao chegar a tua ilha divina
Lanço luas brancas com sois a se lhes nascerem
E sinto o húmus do teu interior.


“ILHA PROIBIDA”

 

 

Macrina, dê-me a tua flor
E eu entregar-te-ei o meu néctar.
Fernandes, entrega-me a tua mandioca
E eu dar-te-ei a minha maçã.
Macrina, dê-me a tua luz
E eu entregar-te-ei as minhas trevas.
Fernandes, entrega-me a tua ilha
E eu dar-te-ei o meu mar.
Macrina, dê-me o teu corpo
E eu entregar-te-ei o meu falo.
Fernandes, entrega-me o teu amor
E eu dar-te-ei o meu paraíso.


 “ORGIA DE AMOR”



A mim disseram deus
Zeus                               Eus
         Na terra
                       O marulhar
     De ca dàmar

                        T
                        A
                   A  M O
                        B
                        É
                        M

  Perdoai
S           S
E          O
N          U
H          T
O          E
R          U
   Povo     


“ARQUITExTURA”



São vidas que se b(r)otam
Para os meus dedos
Um mundo um mudo um agudo
Silêncio de barulhos
Se me corrói
Como vendaval de rosas
Cores de rosas
Perfumam o meu imo
Não sei se creio se descreio
Ou se recrio
Luzes
Meu inconsciente é dada
Na infinitude do nada


“DADA”



É preta a noite que jaz na minhàlma
A noite que jaz na minhàlma é preta
Na minhàlma que já é a preta noite
A preta noite na minhàlma jaz
Hummmmmmmmm
Zummmmmmmmm
Fiommmmmmmmm
Zemmmmmmmmmm
A solidão desta escuridão
Traz-me luz
                     de luci dez



“ARCABOUÇOS”

 

 

(Inspiração vinda do suspiro de um demente negro como o asfalto que descansava numa dada calçada)
Huuuuuuuuu!
Sou eu ca ído no lixo
De roupas rasgadas
A exibir o meu mastro
                                  [perante caminhandantes
De que me vale estar aqui?
De que me vale ver-vos passar por mim
De matina em matina
Mugimbandando
Cantando
Correndo
Eu não tenho vida nem morte
Negaram-me ambas
Sou um ser 10ser
De cara amarfanhada
De olhos de cor de ginguenga
Cheguei ao zénite da loucura
Transformei-me num nefelibata
Vejo deus e deuses
Anjas e anjos
Banalizei as doenças
O que mais farei
Se nem deus me conhece?


“O ANTEPENÚLTIMO DEDO VIPERINO”



Um bouquet de rosas para ti
Um bouquet de rosas vermelhas
Para alegrar as tuas manhãs
Que desde a tenra idade
Só mágoas conheceram.

Eu dou-tas hoje
Porque passei e sei o que passaste,
Dou-tas, porque eu já não sou aquele
que espera, sou aquele de quem muito se espera.

Um bouquet de rosas da cor do arco-íris
Para mostrar que és diva

Um bouquet de rosas
Para dizer ao mundo:
AQUELA NEGRA É MINHA MÃE!


“MANIFESTO X

 

I
Tic tac tic tac
Teu ser é música
onde os meus dedos 
O meu ar
E meus ouvidos penetram frenetica mente.

II
Tic tac tic tac
Em cada teu gemer 
Atinjo longas notas 
Fonemas se me adentram
E componho acordes musi cais.

III
Tic tac tic tac
Na minha vida és mi-imbu
Acordo e lembro dos teus seios de marimba 
Das tuas pernas de dikanza
Dos teus lábios de reco-reco
Das tuas ancas de pwita.

IV
Tic tac tic tac 
Teus orgasmos 
São passadas de semba
Teu calor é kizomba 
E os teus choros são ba-tu-ques
Que martirizam os meus ouvidos de kissanje.

V
Tic tac tic tic 
Sou teu luar nu
Tronco da tua árvore
E faço do nosso amor uma mel-o-dia
Tic tac tic tac
Trim…


“MI-IMBU DO AMOR”
 



Em Pasárgada fui amigo de reis e rainhas
Bebi do cálice dos triângulos escondidos
Nos vestidos de musas
Mas faltava uma noite e dia
De cu duro como as pedras de cá lá (n)dula.

Voltei de Pasárgada qual Galaaz
Pois se me vinham fonemas dessa pátria
Da cor do pirão
Da takula
E do lowengo.

Essa pátria de deusas:                        
mu kubal
Ba kongu
Tu cokwe

E criou las.

Angola pátria de rio qu’eu rio
Man-du-me no kwanza dess’Angola
Ó Angola, Angola yame
Para Pasárgada não volto!


“CÂNTICO PA TRI ÓTICO”



Ilustrações: Antonio Gomes

 
Kalunga é o pseudónimo de João Fernando André. Escritor, ensaísta e professor de língua portuguesa e literatura. Bacharel em Letras, Língua e Literaturas em Língua Portuguesa, pela Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto. Membro da Academia Oeirense de Artes (Brasil). Vencedor, nas categorias de Conto e Crónica, do 26º Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas e menção honrosa nas categorias de poesia e conto do 27º Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas (realizados pela Academia Internacional de Artes Letras e Ciências, Brasil, RS). Tem textos publicados nas antologias “Poesia Com Reticências” (Pastelaria Studios Editora, Portugal), «5 Sentidos», no Jornal Cultura (Angola), na revista Palavra & Arte (Angola) e na revista eisFluências (Portugal/Brasil). 

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