As segundas coisas de Márcio Davie Claudino


Ilustração: Paul Klee


1

É tarde demais para On the road      
cedo ainda para Doutor Fausto
ainda em tempo para Big Sur e as laranjas de Hieronymus Bosch…

Mas tarde demais para ser Rimbaud
cedo ainda para Goethe em Weimar
ainda em tempo para Henry Miller em Paris…?

2

As segundas coisas,
belas como os olhos do piedoso
e o tremor das mãos do alcoólatra.

Sou homem adiado
de sonhos e esperanças desbotadas
como um índigo surrado que um dia foi alegre.

Os tênis carcomidos
(os tênis velhos que pisaram o chão
de tua casa estão até hoje guardados)

a calça velha rasgada no joelho
as meias de pares trocados e as ceroulas escrotas
rotas para este longo inverno…

3

Quando a vida vem e diz:
” — Vai, agora é a sua vez!”
Você corre de braços abertos

mas tem alguém atrás de você,
você nem percebeu
que o convite era para o outro.

Tenho andado olhando para baixo.
Curva-me às costas um arco-íris, este feixe de memórias,
algumas são saudades, outras, sombras.

4

As ruas dos primeiros amores
as mesmas dos primeiros fracassos
as mesmas dos primeiros sofrimentos

emergem baças no fundo da neblina
onde já não vejo mais
aquele menino quieto  brincar no quintal.
(São agora segundas coisas…)

5

Sou homem adiado
de sonhos e esperanças desbotadas
como um índigo surrado que um dia foi alegre.

Sou homem adiado
moro no meio do mundo
na periferia dos sentidos

sem ninguém
sem ninguém
sem ninguém.

Tarde demais para On the road
tarde demais para ser Rimbaud,
jamais Goethe, jamais Miller…

Nesta longa periferia,
entre as segundas coisas,
o frágil adejo das páginas deste poema em vossas mãos,

uma curta estadia.

Poema premiado em 1º lugar no Prêmio Barueri de Literatura 2013.


Marcio Davie Claudino nasceu em Curitiba, em 15 de agosto de1970, onde vive com suas três meninas, Lala, Preta e Dindinga, suas filhotas SRD (“como eu mesmo me defino”). Teve passagens por lugares decadentes, de desolo moral, emocional e social. Nesse sentido, já passou um pouco por algumas coisas, desde subempregos (penitenciária, vendedor itinerante, representante comercial, microempresário, pesquisador, escrivão, instrutor de musculação, personal sentimental, educador social, inspetor de alunos, secretário escolar, revisor de material didático, entre outros) a autoexilado, eremita, saltimbanco, free-lancer e ghost writer. Em 2007 lançou o livro de poemas “O sátiro se retirou para um canto escuro e chorou”, pela SEEC/PR. Como vem dizendo, já são quase 44 anos entre poucas musas e muitas medusas (agora na Hélade).

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