
Estive na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) pela primeira vez. Mais fiz acontecer do que desfrutei dela propriamente dita, mas é impossível não ser enfeitiçada pela magia literária que lá paira. Não fossem as pedras portuguesas nos colocarem em plena atenção, talvez flutuássemos pelas ruas, ainda que às vezes avistemos um ou outro alçando voos curtos pela cidade e se estabacando de forma dolorida e vexaminosa. Quase admirei a coragem dos ébrios que por ali andavam e não eram poucos. Foram dias quentes, mesmo quando chovia. Foi um mundaréu de gente, um turbilhão de informação, difícil acompanhar e absorver.
Em meio à efervescência cultural e histórica, no duplo sentido da palavra, em uma manhã quente, daquelas que o sol já sai chamuscando a pele exposta, me postei em uma fila da padaria cedinho. Sim, porque há uma programação intensa, público e filas imensas. Ali, parada sob a quentura, em busca de pão e água gelada para completar o download da alma iniciado com um café preto, ouço os barulhos, ouço as conversas. Adoro ouvir conversas.
Em uma mesa na rua, em uma esquina qualquer de Paraty, um casal toma café da manhã acompanhado do seu simpático cachorro. Uma moça passa. O guaipeca, abanando o rabo, cheira suas canelas, e ela pergunta:
— Posso fazer carinho?
O casal afirma que sim. Ela afaga, não resiste à simpatia da cauda abanante, e pergunta o nome do peludo. O casal em uníssono responde orgulhoso:
— Calvino!
Só na FLIP e em sua pavoneante intelectualidade, você encontra um cachorro chamado Calvino. Será que posso dizer que estive na festa e vi Calvino pelas ruas?
Quem dera eu ter tido essa ideia, quem dera eu ter chamado meu gato de Machado ou minha cadela de Clarice, se bem que nesse caso, talvez minha prima se ofendesse, melhor ter a Oprah, a Petit Gateau, o Sushi e manter a nossa boa relação.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial no Brasil e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária.
Instagram @malvina.rosa