Categorias de Home Office, crônica de Malvina de Castro Rosa

Foto de Cottonbro Studio

Você sabia que home office não é tudo igual? Existem categorias no trabalho feito de casa. Há o home office tradicional, amplamente divulgado, o home office de pai e o home office de mãe.
 
O pai que faz home office, geralmente tem um espaço privado na casa, onde faz suas reuniões que parecem conferências com Biden no início do mandato. Às vezes conta com a companhia de um gato deitado no computador aproveitando o quentinho. Eventualmente, o bichano come os fios dos eletrônicos. Ali, naquele espaço, as crianças sabem que não devem entrar. Do lado de fora daquele bunker profissional, quase sempre tem uma mãe inconscientemente perpetuando o desbalanço da sociedade patriarcal, dizendo: Não entra aí! Papai tá trabalhando! Não grita! Papai tá trabalhando! No entanto, a porta não é intransponível, vez ou outra uma cria entra, faz uma intervenção, se comunica com os conferencistas de Biden, o que a certa medida humaniza aquele ser distintamente vestido da cintura para cima. Muitas vezes ele e seus fones superpotentes nem ouvem a presença do pequeno ser.
 
Já o home office de mãe é, digamos, mais fluído. Acontece na sala, ou no quarto, se necessário, no banheiro. Vale qualquer lugar livre que ela encontre. Quando tem reunião, o fundo fica desfocado, escondendo a vassoura, o fogão, a cama desarrumada. Fones ela não usa, porque alguém perdeu, comeu, pegou. O microfone fica mutado, para que os colegas não ouçam a panela de pressão, a briga das crianças, a Peppa Pig, a serra da obra. Quando ela abre o microfone para falar, o pedreiro liga a serra, a criança faz birra, alguém lhe entrega um gato, ela o coloca embaixo do braço como se nada estivesse acontecendo e faz anotações em um caderno, com o intuito de mostrar que caso ela não grave alguma coisa, anotado estará. A reunião continua, ela tentando para prestar atenção, com o gato embaixo do braço, recebe um pacote de bolachas para abrir, uma criança consegue foco na câmera, abana. Ela, mais uma vez, abre o microfone para falar, a panela de pressão chia alto, outra criança surge e grita: Manhêêê, como faz gelatina? A reunião acaba, o feijão fica pronto, as crianças têm gelatina. O caos tem um quê harmonioso.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial no Brasil e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária.

Instagram @malvina.rosa

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *