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Ilustração: deviantART |
1.
A retórica muda do casario
se faz ouvir pelas frestas
de janelas e balaústres.
A cidade sussurra em portas
empenadas, empenas adernadas
e telhas de argila velha.
Cansada do dia tagarela,
oscila,
recosta a fronte na serra.
No vale descansa.
Com balbucio quase sopro
silencia e adormece.
2.
Noite abúlica.
Só o passado devora
o presente, correndo
rodas pelos ásperos
paralelepípedos.
Mais uma vez o barro
desfaz a vereda
algo triste ou lírica
de um ribeirão serpente
que entorno em largos
jorros, pelos muros e lajedos.
A cidade derrete
quando a nuvem desce
e se dissolve em gotas,
labirintos de água
em bandos de respingos forros.
Longo e chuvoso manto,
talvez mortalha,
aos poucos, mansamente
e triste,
enfim tece.
Pela janela em plenilúnio
decepou-se o topo da montanha.
A guilhotina quadriculada
em madeira e vidro
lança verniz sobre a luz baça.
Laqueada, a cidade brinca
em seu estojo de cedro e cinzas.
Fria, sob o sereno, espera.
Sépia ou sombra, sempre espera.
Um cupim devora o anjo,
diligente como a taipa
que esfarela em poeira inútil.
Ainda a cidade espera;
talvez uma possível
e imóvel eternidade.
4.
As mudas de bromélia
aguardam o pendão arisco
sobre o solo duro. Ásperas
e exóticas na delicadeza
sutil das folhas (ou talos?)
rústicas, aguardam frias
a perfeição estranha da flor
na pedra. Da flor não flor
que se ergue de espinho
e pétala.
As bromélias crescem lentas
no papel do solo árido
de brilhos de minério e pó.
Enrugam o jardim da casa
que desliza macia para a sombra
na última linha do papel pautado.
5.
Um cão uiva pelos séculos, lá fora.
Alguém bate na janela velha,
coberta de teias de aranha e poeira
dos tempos. Outro alguém responde
na quebra do espanto inaudível.
De novo o silêncio do cão
que ladra.
De novo o silêncio da voz
que quebra.
Finalmente se abre a janela
e dela sai um espectro claro.
Cresce ainda a lua no céu,
mas não vê cão, contorno
ou sombra. Espia por espiar
a paisagem sempre imóvel
dos segundos. Nem a teia,
ou a negra aranha vê. Registra
simplesmente a passagem
dos mesmos elos seculares.
LEOPOLDO COMITTI